Jarbas Passarinho - Coronel reformado, foi governador, senador e ministro de Estado
Correio Braziliense
Os guerrilheiros vencidos na luta armada do Araguaia jamais aceitaram a Lei da Anistia, votada por um Congresso pluripartidário em 1979 e aprovada por maioria, numa sessão fortemente tumultuada pela esquerda radical. Desde então, seus componentes têm feito da revogação da Lei de Anistia uma obsessão que dura 32 anos. O precedente se deve à Emenda Constitucional nº 11, de outubro de 1978, que restabeleceu as liberdades democráticas fundamentais. Em eleições gerais sucessivas, não tendo vencido, os radicais associaram-se ao PT, o estandarte que os recebeu como minoria útil nas eleições presidenciais, quando reiteradas vezes só têm eleito cinco ou seis deputados, sua cota de aceitação popular.
Vitorioso, Lula deu à ala mais resistente, o PCdoB, por oito anos, a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Primeiro recorreram ao parlamento, na tentativa de anular a lei. Não obtendo apoio dos pares, recorreram ao Supremo Tribunal Federal, obcecados por obter a revogação da discutida lei cujo objetivo, para o governo João Figueiredo, não pressupunha perdoar os vencidos na luta armada do Araguaia mas conciliar a família brasileira. O Supremo negou provimento à ação esdrúxula. Manteve a vigência da lei.
Indo além no cadinho que manipula o ódio, misturado certamente com calúnias, a Organização dos Estados Americanos (OEA) perfilhou o absurdo. Não lhe bastando submeter o Brasil ao vexame de explicar-se por crimes resultantes de ofensa aos direitos humanos ao violar a Convenção de Genebra, insinuam apelar para o Tribunal Penal Internacional de Haia (TPH), que processa responsáveis por barbaridade na guerra da Bósnia contra a população civil muçulmana, inclusive estupros de mulheres muçulmanas "para purificação genética". Entre eles o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, morto por ataque cardíaco; o general Perisic, comandante do Exército iugoslavo, subordinado a Milosevic, condenado a 27 anos de prisão; e outro general herói da guerra da Bósnia e mais dois coronéis, todos responsáveis por massacres de civis.
A comparação com torturas chega a ser torpe. Por esses abusos, as ações dos exércitos alemão (Gestapo), francês (paraquedistas na luta de descolonização da Argélia) e americano, no Iraque, seriam consideradas crimes hediondos. No Brasil, os queixosos esquecem que praticaram crimes piores, como atentados terroristas e assassinatos seletivos, crimes contra a humanidade, o que a OEA não viu ao conceder apoio solidário aos reclamantes. A última tentativa na mais recente reunião com o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, parecia dar uma solução de comum acordo, reconhecendo equivalentes os dois tipos de crimes, que a Constituição assim escreve como incapazes de ser anistiados. A ministra do PCdoB, presente à reunião, segundo a mídia, concordou que a Comissão da Verdade averiguasse também os abusos dos guerrilheiros, selecionando o atentado terrorista no Aeroporto do Recife e os assassinatos seletivos de vítimas civis e militares até por engano de pessoa.
José Genoíno, ex-deputado federal pelo PT, hoje assessor do ministro da Defesa, é encarregado de coordenar o texto do projeto, que dormia na Câmara havia dois anos. Não prosseguia segundo o processo legislativo, respeitando a pública declaração da presidente da República, à mídia, do desinteresse da maioria pela votação de matéria traumática. A presidente Dilma, por motivo que só a ela cabe julgar, mudou recentemente de posição e o projeto transformou-se em urgente. Pela primeira vez, a tramitação do projeto conta com o beneplácito dos três comandantes da Forças singulares, que aprovaram o esforço do seu assessor, no sentido de dar urgência à composição da Comissão prevista de sete notáveis para o estudo preliminar do texto do projeto que "investigará torturas na ditadura militar".
A mais recente reunião de que fez parte o ex-ministro Nelson Jobim, presente e concordante a ministra Maria do Rosário, incluía a investigação dos atos terroristas na luta, citando nominalmente o atentado no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, e assassínios seletivos. A escolha do assessor com tanta autoridade é oportunidade rara de julgar a tortura, que teria sofrido, e conhecer o bárbaro assassinato de um adolescente, para servir de escarmento, pelo seu próprio grupo de guerrilheiros. A pequena tropa de combate aos guerrilheiros comandada pelo capitão Lício Maciel (livro Guerrilha do Araguaia, páginas 40 e seguintes) prendeu José Genoíno, de codinome Geraldo, que foi retirado da frente de combate sem sofrer qualquer violência. O capitão Lício, gravemente ferido, num encontro com o grupo militar da guerrilha, em que houve mortes, foi também evacuado. Recuada a tropa, após o ferimento do comandante, os guerrilheiros camaradas de Genoíno foram informados de que João Pereira, adolescente de 17 anos, filho de um pequeno fazendeiro, fora o guia dos poucos militares até localizá-los na mata. Na frente dos pais, fatiaram o corpo do rapaz em partes e concluíram por facadas no coração. Deixaram claro que era uma represália para servir de escarmento a quem auxiliasse a tropa que os perseguiam.