Aristóteles Drummond - Jornalista - Jornal do Brasil
Releio o testamento do Almirante Tamandaré, Marquês do Império, e chego à conclusão que o melhor que posso fazer esta semana é transcrever o belo texto. O documento mostra o que é um patriota, com coragem, coerência, dignidade, humildade e verdadeiro sentimento de solidariedade cristã.
“Não havendo a Nação Brasileira prestado honras fúnebres de espécie alguma por ocasião do falecimento do imperador, o senhor D. Pedro II, o mais distinto filho desta terra, tanto por sua moralidade, alta posição, virtudes, ilustração, como dedicação no constante empenho ao serviço da pátria durante quase 50 anos que presidiu a direção do Estado, creio que a nenhum homem de seu tempo se poderá prestar honras de tal natureza, sem que se repute ser isso um sarcasmo cuspido sobre os restos mortais de tal indivíduo pelo pouco valor dele em relação ao elevadíssimo merecimento do grande imperador.
Não quero, pois que por minha morte se me prestem honras militares, tanto em casa como em acompanhamento para sepultura.
Exijo que meu corpo seja vestido somente com camisa, ceroulas e coberto com um lençol, metido em caixão forrado de baeta, tendo uma cruz na mesma fazenda, branca, e sobre ela colocada a âncora verde que me ofereceu a Escola Naval em 13 de dezembro de 1892, devendo colocar no lugar que faz cruz a haste e o cepo, um coração imitando o de Jesus, para que, assim ornado, signifique que a âncora cruz, o emblema da fé, esperança e caridade que procurei conservar sempre como timbre dos meus sentimentos. Sobre o caixão não desejo que se coloque coroas, flores nem enfeites de qualquer espécie, e só a Comenda do Cruzeiro que ornava o peito do Sr. D. Pedro II em Uruguaiana, quando compareceu como o primeiro dos voluntários da Pátria para libertar aquela possessão brasileira do jugo dos paraguaios, que a aviltavam com a sua pressão; e como tributo de gratidão e benevolência com que sempre me honrou e da lealdade que constantemente a S.M.I. tributei, desejo que essa Comenda Relíquia esteja sobre meu corpo até que baixe a sepultura, devendo ficar depois pertencente à minha filha D.M.E.L. (Dona Maria Eufrásia Marques Lisboa), como memória d'Ele e lembrança minha.
”Exijo que se não faça anúncios nem convites para o enterro de meus restos mortais, que desejo sejam conduzidos de casa ao carro e deste à cova por meus irmãos em Jesus Cristo que hajam obtido o foro de cidadãos pela lei de 13 de maio.“
Isto prescrevo como prova de consideração a esta classe de cidadãos em reparação à falta de atenção que com eles se teve pelo que sofreram durante o estado de escravidão, e reverente homenagem à Grande Isabel Redentora, benemérita da Pátria e da Humanidade, que se imortalizou libertando-os.
Exijo mais, que meu corpo seja conduzido em carrocinha de última classe enterrado em sepultura rasa até poder ser exumado, e meus ossos colocados com os de meus pais, irmãos e parentes, no jazigo da Família Marques Lisboa.
“Como homenagem à Marinha, minha dileta carreira, em que tive a fortuna de servir à minha Pátria e prestar algum serviço à humanidade, peço que sobre a pedra que cobrir minha sepultura se escreva: ‘Aqui já o Velho Marinheiro’.”
Civismo, patriotismo, aula de moral e história seria que nossas escolas divulgassem esse documento para que as novas gerações saibam quem foram os grandes de nossa pátria. O Marques de Tamandaré é o Patrono da Marinha do Brasil, o que explica em parte o prestígio que a instituição tem entre o povo. Daqui a algumas semanas vamos ter o dia da Batalha do Riachuelo, vencida por ele. Mas o singular mesmo foi a demonstração de humildade e lealdade, no caso ao nosso imperador Pedro II e à Princesa Isabel, a Redentora. História se escreve com documentos e não com ressentimentos.