Depois de passar pelo Senado, votação de deputados empata e Lei de Caducidade, que anistia militares, continua em vigor
Estado de Minas
Montevidéu – A Lei de Caducidade, que anistiou os militares do período da ditadura no Uruguai (1973-1985), continua firme. Depois de 14 horas de debate, terminou empatada na madrugada de ontem, às 5h33, a votação na Câmara dos Deputados do projeto que anularia a lei que está em vigor no país desde 1986. Com 49 votos, os partidos Nacional e Colorado, da oposição, votaram contra o texto, enquanto a coligação de esquerda Frente Ampla, do governo de José Mujica, votou a favor. Embora conte com 50 assentos na Câmara, a Frente Ampla só conseguiu reunir 49 votos. O voto que faltou foi do deputado Víctor Semproni, que optou pela abstenção e será julgado por seu partido por desobediência.
O projeto já havia sido aprovado pelo Senado. Agora, para voltar a ser colocado em votação, o texto teria de passar por uma sessão conjunta do Congresso e obter dois terços do votos para ser aprovado. Mas essa hipótese é praticamente descartada, já que a Frente Ampla tem apenas a maioria simples.
Semproni explicou que sua posição é contra "a solução encontrada para resolver o problema" e não contra o objetivo de acabar com a lei para que o país possa passar a limpo a história da ditadura.
Em seu discurso, durante os debates, o deputado disse que a maneira como está sendo proposta a anulação da anistia é pouco efetiva e pode gerar maiores problemas ao país. Ele alegou que a norma não pode ser revogada, uma vez que foi ratificada duas vezes em consultas populares.
Semproni argumentou ainda que o texto de anulação tem alguns erros em sua composição e poderia ser considerado inconstitucional. "Não vamos transitar pelo caminho da disciplina partidária porque trata-se de um tema de consciência. Mas podem ter a certeza, em especial nossos companheiros da Frente Ampla, que vamos continuar brigando com toda nossa força até conseguir objetivos de verdade: justiça, julgamento e castigo", esclareceu
Unidade
O presidente Mujica, ex-guerrilheiro Tupamaro, vítima da ditadura, que o manteve preso durante 10 anos, também já se manifestou contra a anulação da Lei de Caducidade por semelhantes motivos.
Ontem, Mujica disse que a Câmara deveria decidir sobre "uma péssima lei, que nunca deveria ter existido". Mas, em nome da unidade partidária, chegou a fazer um apelo para que Semproni acompanhasse a decisão da Frente Ampla de aprovar a anulação da lei que deu anistia aos militares que violaram os direitos humanos durante a ditadura de 1973 a 1985 e foi ratificada pela população uruguaia em 1989 e 2009. A confusão gerada pela Frente Ampla de levar adiante o projeto cheio de polêmica provocou um forte desgaste de Mujica, que já vinha sofrendo queda de popularidade devido a greves problemas na economia, como a elevada inflação. Dos 75% de aprovação popular que tinha em março de 2010, quando assumiu o governo, Mujica caiu para 41%.
A anulação da lei recebeu a sanção do Senado em 12 de abril e provocou as primeiras fissuras no oficialismo: o senador Jorge Saravia votou contra a anulação da lei e ficou com um pé praticamente fora da Frente Ampla, enquanto o senador e ex-guerrilheiro tupamaro Eleutério Fernández Huidobro renunciou após votar a favor da anulação da lei.
Apesar da vigência da anistia, decisões da Suprema Corte uruguaia permitiram que uma dezena de militares estejam presos desde 2006, acusados de violar os direitos humanos fora do Uruguai, atuando em coordenação com o serviço secreto da ditadura na Argentina, a partir de 1976. Durante a ditadura no Uruguai desapareceram 29 pessoas no país, mas outros 150 uruguaios desapareceram na Argentina.
Guerrilha
As convulsões no Uruguai começaram em 1963, quando os tupamaros, uma guerrilha de esquerda, desfecharam uma campanha de assassinatos, sequestros, roubos e incêndios para chegar ao poder. Em 1972, os tupamaros foram esmagados pelas Forças Armadas e naquele ano foi instaurado no Congresso o "Estado de guerra interna". Em junho de 1973 ocorreu o golpe de Estado, chefiado pelo então presidente Juan María Bordaberry, eleito em 1971. Bordaberry governou como ditador até 1976, quando sofreu por sua vez um golpe da junta militar. A ditadura se estendeu até 1985. A Frente Ampla afirma que a repressão da ditadura se converteu em terrorismo de Estado, uma vez que os tupamaros já haviam sido esmagados em 1972, antes do golpe. Os líderes tupamaros, entre eles Mujica, estavam presos.