Miguel González - El Pais
Em Madri (Espanha)
Em Madri (Espanha)
José Luis Rodríguez Zapatero, o primeiro chefe de governo europeu que visitou a Tunísia depois da queda de Ben Ali, conversou no final da semana passada com o chefe do governo britânico, David Cameron, primeiro mandatário da UE que viajou ao Egito depois da queda de Hosni Mubarak.
Ambos intervirão na próxima sexta-feira em Bruxelas na cúpula extraordinária em que a UE deverá se pronunciar diante do drama da Líbia, que mergulha no abismo da guerra civil a poucas milhas das costas europeias.
Um dia antes, os ministros da Defesa da Otan analisarão um amplo cardápio de planos militares entre os quais poderão escolher um. Ou talvez não escolham nenhum. De todos os líderes europeus, Cameron é o que se pronunciou com mais contundência a favor de uma intervenção militar que impeça Gaddafi de prosseguir na chacina. Segundo fontes diplomáticas, um navio de guerra britânico se dirige para o Mediterrâneo central para unir-se à frota americana e realizar uma exibição de força diante de Gaddafi.
No entanto, é pouco provável que a mera contemplação do músculo seja suficiente para dissuadi-lo, se ele não acreditar que há vontade política de usá-lo. Zapatero, segundo fontes governamentais, apoia uma intervenção militar e está disposto a que a Espanha participe da mesma.
Mas crê que juridicamente é imprescindível uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que a legitime; e politicamente deve contar com o aval da Liga Árabe ou da União Africana (UA).
"Uma intervenção exclusivamente americana ou europeia poderia ser contraproducente. Gaddafi teria muita facilidade para agitar os fantasmas do colonialismo e fazer crer que o Ocidente quer roubar seu petróleo", afirmam no Executivo espanhol. Por isso, a opção preferida é que o protagonismo caiba a países árabes ou africanos, embora com apoio europeu, como em Darfur (Sudão). Se não for tecnicamente possível - pois nem todos os países têm meios para impor uma zona de exclusão aérea, isto é, para impedir que Gaddafi utilize seus aviões e helicópteros contra os rebeldes -, bastaria um chamado da Liga Árabe ou da UA.
Mas mesmo isto é muito problemático. Apesar de a Liga Árabe ter suspendido a Líbia e de seu secretário-geral, Amr Musa, ter sugerido que a organização poderia aplicar uma zona de exclusão aérea em cooperação com a UA, a maioria dos países árabes é alérgica a qualquer intervenção militar. E tampouco parece que derrubar um ditador entusiasme a UA, cujo presidente de turno é o equato-guineense Teodoro Obiang.
Fontes diplomáticas reconhecem que a comunidade internacional está dividida. Na UE, a audácia de Cameron contrasta com a resistência de Nicolas Sarkozy e a cautela de Angela Merkel. Na Otan também se opõe à opção militar o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan. Zapatero esteve prestes a fazer escala em Ancara em sua volta do golfo Pérsico, para se reunir com ele, mas não foi possível e já se busca uma data para um encontro. O primeiro-ministro espanhol não quer perder sua sintonia com Erdogan, um dos padrinhos da Aliança de Civilizações, quando é uma referência no islamismo moderado turco.
Nem sequer o Executivo espanhol falou com uma só voz. As ministras da Defesa, Carme Chacón, e a das Relações Exteriores, Trinidad Jiménez, fizeram declarações dissonantes. Enquanto a primeira disse na última quinta-feira que a Espanha deseja que a ONU aprove "de forma rápida qualquer intervenção com fins claramente humanitários que se possa realizar agora mesmo", a segunda salientou no mesmo dia que a comunidade internacional respondeu "com muita contundência" e qualquer nova medida deveria ser estudada "detidamente".
Zapatero limitou-se na Tunísia a remeter-se ao Conselho de Segurança da ONU, enquanto o vice- primeiro-ministro Alfredo Pérez Rubalcaba animou na sexta-feira as supostas discrepâncias, ao responder que a posição espanhola havia sido explicada por Zapatero e Jiménez, excluindo Chacón.
Além da zona de exclusão aérea, os planos em preparação vão desde o bloqueio naval da Líbia - para fazer cumprir o embargo de armas e evitar o trânsito de terroristas -, até uma operação civil europeia de apoio aos refugiados nas fronteiras do Egito e da Tunísia.
Enquanto não se entre em território líbio nem sequer haveria necessidade de autorização da ONU. Se a Otan situar sua frota diante da Líbia, como sugeriu Chacón, uma fragata ou um petroleiro espanhóis fariam parte da mesma. E se mobilizar seus aviões de vigilância Awacs também levarão tripulantes espanhóis.
Benghazi, missão cumprida
A Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid) entregou no domingo em Benghazi, a mais importante cidade líbia em poder dos rebeldes contra Gaddafi, três toneladas de medicamentos. O carregamento, que foi recebido por representantes da Meia-Lua Vermelha e do comitê rebelde local, saiu na quinta-feira de Madri para o Cairo por via aérea e na sexta percorreu por estrada os mais de 1 mil quilômetros que separam a capital egípcia da cidade líbia, trajeto no qual demorou cerca de 14 horas.
Pablo Yuste, diretor do escritório humanitário da Aecid, explicou a "El País" que "a sensação na cidade é de aparente normalidade" e que os responsáveis pela saúde locais haviam pedido medicamentos para pacientes crônicos e com câncer. "Faltava de tudo, mas já receberam ajuda de alguns países, como Catar e Turquia, e por enquanto a situação melhorou", disse Yuste. Inclusive no hospital de traumatologia, onde se recuperam vários feridos no ataque de um arsenal na última sexta-feira, que deixou 32 mortos. A Aecid prevê realizar novas remessas de ajuda.
Zapatero apoia reforma sem castigar autocratas
"A Espanha quase não tem interesses econômicos neste país, por isso posso lhes falar com toda a liberdade", disse Zapatero aos representantes da sociedade civil tunisiana na última quarta-feira. A frase também vale ao contrário: a Espanha tem fortes interesses em Catar e Emirados Árabes Unidos - duas monarquias petrolíferas nas quais Zapatero colheu na semana passada bilhões em contratos e investimentos -, por isso não pode se expressar livremente.
O contraste entre a visita à Tunísia e o giro pelo golfo Pérsico parece uma demonstração de cinismo político. Fontes do governo negam totalmente. A visita a Catar e aos Emirados estava planejada há meses, enquanto a da Tunísia foi improvisada em apoio à frágil transição. "É verdade que não há democracia no Golfo, mas nem todos os regimes são iguais. Em Catar ou nos Emirados se respeitam os direitos humanos, e o primeiro abriga um meio de comunicação perfeitamente homologável aos ocidentais como a Al Jazira", alegam.
Catar ou Emirados não são tão repressivos quanto a Arábia Saudita, mas com esta última o Conselho de Ministros aprovou na última sexta-feira um acordo de cooperação policial. A ameaça da Al Qaeda ou a luta contra a imigração ilegal ainda servem de desculpa para colaborar com regimes autocráticos.
Reorientar os fundos
A onda de revoltas no mundo árabe está obrigando a diplomacia espanhola, e a europeia, a revisar suas relações com essa região. A viagem de Zapatero à Tunísia é um primeiro passo. "Trata-se de respaldar as reformas com apoio político, técnico e econômico."
A Espanha prometeu créditos no valor de 300 milhões de euros em três anos, mas trata-se de comprometer o conjunto da UE. "Os fundos europeus devem ser reorientados para que sirvam à construção do Estado de direito, com programas de fortalecimento das instituições", explicam as mesmas fontes. É preciso concluir o quanto antes o acordo de associação privilegiada da UE com Túnis e ampliar os créditos do Banco Europeu de Investimentos (BID), que prevê dedicar até 6 bilhões de euros à região até 2013. A Espanha não aprova, entretanto, a ideia de David Cameron de condicionar a concessão de verbas europeias à aprovação de reformas e à verificação de seu cumprimento. "Devemos premiar os que empreenderem reformas, mas não castigar os que não as fizerem. O contrário seria uma ingerência", afirmam as fontes consultadas.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves