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FOLHA DE SP
Documentos diplomáticos americanos vazados pelo site WikiLeaks nesta semana revelaram que os Estados Unidos ainda mantêm um arsenal de armas nucleares táticas da época da Guerra Fria na Europa, além de sua localização detalhada. A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) condenou o vazamento como "irresponsável e perigoso", mas não confirmou diretamente a existência das armas.
Segundo os telegramas diplomáticos, a maioria das bombas nucleares táticas dos EUA estão na Bélgica, Alemanha, Holanda e Turquia. Apesar da suspeita sempre ter existido, Otan e outros governos se recusavam a confirmar formalmente a existência das armas. A lista incluiria ainda a Itália e o Reino Unido, países não citados nos documentos do WikiLeaks.
Armas nucleares táticas, ou não estratégicas, são normalmente de curto-alcance e incluem mísseis terra-terra com alcance de menos de 500 km e armas lançadas do ar ou do mar com alcance de menos de 600 km. As armas estratégicas compreendem bombas com potencial para destruição em massa. Especialistas ressaltam que as armas táticas podem ser mais perigosas que as estratégicas, já que são menores e mais vulneráveis a roubo.
As bombas B-61, mais antiga arma nuclear dos EUA, foram fabricadas na década de 50. Elas eram parte do esforço de Washington para demonstrar comprometimento com a defesa dos países da Otan durante a Guerra Fria, instalando-as em potenciais campos de batalha.
Recentemente, vários ex-políticos europeus pediram a remoção das armas, dizendo que elas não têm mais propósito prático. Mesmo assim, o arsenal nuclear continua no centro da nova doutrina da Otan, conhecida como "Conceito Estratégico" e adotada durante cúpula em Lisboa (Portugal), neste mês.
Um dos documentos revelados pelo WikiLeaks retrata uma conversa, em 10 de novembro de 2009, entre o embaixador americano na Alemanha, Philip D. Murphy, o secretário-assistente dos EUA Philip Gordon e o conselheiro de política externa da Alemanha, Christoph Heusgen.
Gordon questionou como o governo alemão planejava retirar todas as armas nucleares remanescentes no país e alertou que era importante que Berlim pesasse bem as consequências antes de agir. Como exemplo, Gordon afirmou que, se os EUa retirassem as armas da Alemanha, Holanda e da Bélgica, seria politicamente impossível manter as armas americanas na Turquia --um país que precisa do arsenal.
Heusgen, em reposta, disse que esta era uma proposta especificamente do ministro de relações Exteriores, Guido Westerwelle, e ressaltou que a chanceler Angela Merkel não tinha nada a ver com a história. O ministro, afirma, segundo o documento, "adora esse negócio de desarmamento".
Ele disse ainda que, em sua opinião, não fazia sentido retirar unilateralmente as 20 armas nucleares táticas que ainda estão na Alemanha, enquanto a Rússia mantém "milhares delas". Se a retirada for unilateral, afirma Heusgen, a Rússia vai "sentar e rir" do tema.
As estimativas de especialistas apontam que os EUA têm 1.100 armas nucleares táticas em solo nacional e outros países. A Rússia, por sua vez, teria cerca de 2.000.
Os dois países assinaram em abril uma nova versão do Start, acordo de desarmamento nuclear que pede por uma redução nos arsenais estratégicos dois dois países. O Senado americano, contudo, ainda não aprovou o documento e lança preocupações do que pode acontecer em 2011, quando o primeiro Start expira.
PERIGOSO
A Otan não comentou especificamente a revelação do arsenal, mas criticou o WikiLeaks por vazar informações sigilosas. "Nós condenamos fortemente o vazamento de documentos confidenciais", disse a porta-voz Oana Lungescu.
"Não importa se o material vazado é diplomático ou militar, ele coloca a vida de civis e militares em risco", acrescentou. "É ilegal, irresponsável e perigoso".
Desde domingo, 250 mil documentos confidenciais da diplomacia americana estão sendo revelados pelo WikiLeaks. Os papeis abordam temas que vão do programa nuclear iraniano aos esforços dos EUA para espionar autoridades estrangeiras e até mesmo a suposta ocultação da prisão de terroristas no Brasil.
Os chamados "cables" revelam detalhes secretos --alguns bastante curiosos-- da política externa americana entre dezembro de 1966 e fevereiro deste ano, em um caso que começa a ficar conhecido como 'Cablegate'.
São 251.288 documentos enviados por 274 embaixadas. Destes, 145.451 tratam de política externa, 122.896, de assuntos internos dos governos, 55.211, de direitos humanos, 49.044, de condições econômicas, 28.801, de terrorismo e 6.532, do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
O site, que já causou outras saias-justas para os EUA com a revelação de documentos secretos das guerras no Afeganistão e Iraque, tornou público um mundo secreto dos bastidores da diplomacia internacional. A maioria representa retratos críticos dos EUA a líderes estrangeiros, desde aliados como a Alemanha, Itália e Afeganistão, a nações como Líbia e Irã.
Dificilmente, contudo, estes documentos devem prejudicar os laços diplomáticos de Washington. Com a antecipação do conteúdo dos documentos pela imprensa, a Casa Branca lançou uma campanha na semana passada para alertar os países que seriam provavelmente citados sobre o conteúdo das revelações e alertou ainda o Congresso americano sobre o que estariam nos documentos.
De qualquer forma, o secretário de Justiça e procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, informou nesta segunda-feira que abriu uma investigação criminal sobre o vazamento, que "põe em perigo não só indivíduos e diplomatas, mas também a relação que temos com nossos aliados no mundo todo".
Ele explicou que o processo será aberto com apoio do Departamento de Defesa, para determinar quem são as pessoas responsáveis pelo vazamento. "Não posso adiantar os resultados, mas a investigação criminal está em marcha", disse a jornalistas.
O presidente americano, Barack Obama, ordenou ainda nesta segunda-feira que todas as agências do governo revejam seus procedimentos de segurança para proteger informações confidenciais.
Segundo um comunicado obtido pela agência de notícias Associated Press, o Escritório de Gerenciamento e Orçamento afirmou às agências que estabeleçam equipes de segurança para garantir que seus funcionários não tenham acesso amplo a informações classificadas que não sejam essenciais para seu trabalho.