Jornal do Brasil
Quatro homens armados entraram na cabana de Anna Mburano e empurraram as crianças, derrubando- as. Em seguida, bateram nas costas de Anna e a estupraram.
Não importava se as Forças de Manutenção da Paz da ONU estivessem estabelecidas na estrada, ali perto. Ou que Anna estivesse com quase 80 anos.
Assim que terminaram, foram de casa em casa, junto com centenas de outros rebeldes saqueadores, raptando pelo menos 200 mulheres.
O que aconteceu no último dia 30 de julho, em Luvungi, pobre vila de casas de sapê (e que continuou por, no mínimo, três outros dias), se tornou um problema doloroso para a missão da Organização das Nações Unidas (ONU) na República Democrática do Congo. O ataque foi à noite e, segundo relatórios da ONU, havia cerca de 300 homens, uma mistura de rebeldes ruandeses e lutadores de um novo grupo rebelde congolês, o Mai Mai Cheka.
Apesar de mais de 10 anos de experiência e bilhões de dólares investidos, a força de manutenção da paz ainda parece falhar em sua tarefa mais elementar: proteger cidadãos.
Contudo, muitos críticos afirmam que, em nenhum outro lugar no mundo, a ONU investiu tanto e concluiu tão pouco. O que aconteceu em Luvungi, com as Forças de Manutenção da Paz não conseguindo responder por uma vila entre fronteiras, é semelhante ao massacre de Kiwanja de 2008, quando rebeldes mataram 150 pessoas ao alcance da voz de uma base da ONU.
Congo é o fracasso supremo da ONU conta Eve Ensler, cujo grupo de apoio, chamado V-Day, vem trabalhando com mulheres congolesas há anos. Eve culpa uma administração pobre, má comunicação e racismo.
Se as mulheres estupradas fossem as filhas, esposas ou mães das elites poderosas, posso garantir que esta guerra teria acabado há uns 12 anos acrescenta Eve.
Oficiais da ONU admitem que as Forças de Manutenção da Paz não conseguiram reagir rápido o bastante no caso de Luvungi, embora digam que a principal responsabilidade caiu sobre o Exército congolês, que continua em uma grave desordem.
Senti-me culpado pelas pessoas que encontrei lá diz Atul Khare, secretário-geral adjunto das Forças de Manutenção da Paz, que visitou recentemente a vila de Luvungi. Elas me disseram: Fomos estupradas brutalizadas, dê-nos paz e segurança. Mas infelizmente não posso prometer isso.
Nos círculos das Forças de Manutenção da Paz, a República do Congo está se tornando conhecida como o equivalente africano do Afeganistão, por causa da violência duradoura e da complexidade dos conflitos, alguns parecendo insolucionáveis.
Luvungi, vila de cerca de 2 mil habitantes, longe de tudo e de todos, reúne vários dos principais problemas do Congo: luta aguerrida por minerais; fragmentação de grupos revoltosos; incentivos perversos entre grupos armados para cometer atrocidades a fim de reforçarem seus poderes de negociação; pobreza, que mantém vilas isoladas e incomunicáveis; e o fato perturbante de que, nas guerras do Congo, o campo de batalha é muitas vezes os corpos das mulheres. Oficiais da ONU consideram a violência sexual no Congo a pior no mundo.
Uma sensação de ameaça paira sobre toda esta área, até mesmo nos postos avançados controlados pelo governo. Várias mulheres em Luvungi disseram que, depois de terem sido estupradas, os rebeldes cantavam, como se estivessem celebrando alguma coisa. Anna Mburano, a do ataque de 30 de julho, falava enquanto sangrava no chão: Ainda pareço doente. Somente algumas verduras foi tudo o que comi desde que fui destruída.
Tradução Maíra Mello