A SAAB está usando o DEMO como protótipo?
Bengt Janér | Poder Aéreo
Uma aeronave DEMO só tem 2 objetivos principais. Demonstrar que o Gripen tem potencial de crescimento e a redução dos riscos de algumas atividades. Uma coisa é mostrar no PowerPoint que se vai pegar o avião e aumentar a potência dele em 40%, a outra coisa é dizer que se está voando um demonstrador que é significativo em algumas características e diferente em outras. Por exemplo, sistemas como os freios podem ser diferentes na série e isso não atrapalha em nada na hora de demonstrar, por exemplo, o super cruise ou demonstrar o desempenho em curva sustentada. No Demo não se voam todas as configurações de armamento. Somente uma ou outra configuração, porque o seu objetivo primário é demonstrar que se é capaz de migrar do C/D para o NG e algumas atividades que aparentemente o cliente percebe como de alto risco, estão sobre controle do projeto. Por exemplo, a substituição do motor F-404 pelo F-414, foi o mesmo que a Embraer fez durante o desenvolvimento do Super Tucano. Para demonstrar as características resultantes de um aumento de mais de 100% de potência entre o EMB 312 e o Super Tucano, a Embraer voou um POC – Proof of Concept em 1992.
Por que a SAAB não fez o protótipo? Porque o protótipo implica em 2 coisas muito diferentes do Demo. A primeira questão é referente a representatividade estrutural da aeronave. Se não for representativa estarão sendo medidos parâmetros que não são definitivos e isso pode exigir a repetição dos testes mais adiante. Em segundo lugar a instrumentação é muito mais complexa de ser instalada e gerenciada em uma aeronave protótipo ou pré-série. São milhares de parâmetros que devem ser monitorados simultaneamente para fins de validação e certificação. Isso não só custa dinheiro, como toma tempo. Precisa-se instrumentar muito o seu avião.
Quando um programa de desenvolvimento de uma nova aeronave considera reprojetar a estrutura inteira, só justifica se fazer um protótipo ou pré-série depois que se termina todo o cálculo estrutural. Este cálculo estrutural consome milhares e milhares de horas e somente após o congelamento da configuração e o detalhamento do projeto é que se inicia a construção do protótipo ou pré-série.
Só faz um investimento em aviões protótipo ou pré-série quando se congela a configuração do cliente. Se não ocorrer essa definição, vai se fazer um protótipo, mas vai ter que repetir tudo isso lá mais adiante.
Então um programa qualquer de desenvolvimento, seja da Embraer da SAAB ou da Boeing, ela pode ou não ter um demonstrador de conceitos dependendo de seus objetivos estratégicos, mas certamente ela terá um protótipo ou pré-série mais pra frente e esta é a última etapa do desenvolvimento.
O Demonstrador é um recurso tecnológica que uma empresa usa para mostrar que seus conceitos são factíveis.
Poder Aéreo – Com relação à asa. Qual a diferença da asa do Demo para a do NG?
Bengt Janér – A asa tem muitas diferenças. A nova asa terá maior resistência, uma vida útil ampliada considerando uma maior carga de armamentos e devido ao reposicionamento do trem de pouso definitivo do avião o posicionamento de diversos elementos estruturais tais como nervuras e suportagem é alterada.
Poder Aéreo – Ou seja, a asa do DEMO atual, apesar de mostrar o novo posicionamento do trem de pouso, ainda não é a asa final?
Bengt Janér – Não, aquela asa é representativa aerodinamicamente mas não estruturalmente. Por isso, aeronaves DEMO não tem a vida em fadiga das aeronaves de série e em alguns casos não leva todos os armamentos e cargas externas das aeronaves de série. O trem de pouso colocado no DEMO não tem a estrutura e as características do trem definitivo.
Volto ao exemplo prático do Super Tucano. O DEMO do ST tinha uma vida de 2.000/3.000 horas e o avião definitivo está com 18.000 horas de vida.
O EMB 312 tinha 750shp e o Super tucano tem 1.600 shp, então se subiu mais de 100% de potência. Então se pega um projeto aerodinâmico estrutural que foi feito para voar 750shp e passa-se a voar com o dobro de potência. No caso do Gripen NG ou F-18E/F, os ganhos de potência estão na faixa de 20% 30%, ou seja, não é tão dramático quanto era no Super Tucano. Só que devido ao envelope de voo supersônico existem outros efeitos a serem considerados.
No caso do Gripen NG, ele tem uma vida em fadiga determinada por certo espectro. Pode-se puxar determinado número de Gs por determinado número de horas.
Se uma Força Aérea estiver sempre em guerra, vai carregar seu avião mais vezes de armamento até o limite e vai puxar mais Gs ao longo da vida, então se consome mais ou menos a vida.
Com relação a vida em fadiga tudo é feito de uma forma extremamente controlada, monitorada, tanto o demo bem como os aviões da série são instrumentados. No caso do avião Demo, não existe o compromisso de voar como em um avião de série, portanto ele tem uma vida em fadiga mais limitada que uma aeronave de série.
No caso do radar, o DEMO já está sendo equipado com o protótipo do radar da Selex Galileo. Esta instalação do radar no avião Demo será aperfeiçoada e no avião de série haverá diferenças voltadas ao aumento da confiabilidade dos componentes, melhoria das características de manutenabilidade, etc.
Ele serve para, em certos ambientes controlados de demonstrar a diferença dos modos, o alcance e as capacidades. É um demonstrador tecnológico de que está avançando em direção à versão de série.
Todos os fabricantes do mundo usam de formas variadas, de acordo com a situação, aviões de demonstração, protótipos ou pré-séries.
A diferença entre protótipo e pré-série não é facilmente percebida pelo público em geral.
Quando se tem processos muito avançados de projeto e testes de simulação, se faz pré-série, ou seja, a diferença dos modelos de série para esse é muito pequena, talvez alguma cablagem, algum pequeno componente. Hoje em dia, as indústrias aeronáuticas modernas não estão mais fazendo protótipos, estão fazendo pré-séries, porque as ferramentas disponíveis para projeto e desenvolvimento são muito avançadas. Quando se libera um desenho de produção, como é o caso da Akaer hoje, essa peça é do pré-série e é da série, sem sombra de dúvida, não haverá mudanças, ela vai fazer parte do teste geral do avião, completo, para fins de fadiga e outros objetivos.
PODER AÉREO – Vamos falar um pouco de Sea Gripen. Você tinha dito que eram necessárias horas e horas de projeto para se mudar do Gripen C para o Gripen NG. Para migrar do Gripen NG para o Sea Gripen, serão necessárias muitas horas de re-projeto para preparar a aeronave para pouso em porta-aviões?
Bengt Janér – Não. Haverá sim um esforço de desenvolvimento, mas é contido.
Após a concepção do Programa do Gripen NG observou-se que haveria um potencial para uma versal navalizada e daí nasceu a idéia do Sea Gripen. Em uma situação como essa, as maiores oportunidades que se tem fazer mudanças de concepção ocorrem no início do projeto.
Se o NG já estivesse no final do projeto, com pré-série já voando, com todos os desenhos de produção liberados, haveria sim um impacto maior em esforço de engenharia para a definição e projeto estrutural.
A concepção do Sea Gripen levou em consideração o que eu preciso fazer hoje no NG para não precisar recalcular mais adiante.
Devido ao fato do Gripen ser uma aeronave que nasceu para operação a partir de rodopistas, seu projeto já incorpora características bem próximas das exigidas para a operação embarcada.
A questão de reforçar ou não é muito sutil. Quando se compara um caça naval e um convencional (genérico), tem-se um peso estrutural, pois se tem de reforçar o trem de pouso, parede do trem de pouso, gancho etc para agüentar o lançamento da catapulta e o pouso. São cargas bem distintas que atuam em cada uma dessas fases de vôo.
Grosso modo, se pegarmos um caça naval clássico como o F-18, se este tivesse sido projetado para operar a partir de bases em terra, teríamos uma diferença de umas duas toneladas só de peso estrutural, comparado a versão navalizada. Hoje existem ferramentas de projeto muito avançadas e a possibilidade de emprego de novos materiais. Esse impacto de peso varia de 300 a 600kg num caça projetado agora no século XXI.
A diferença de peso do Sea Gripen para o Gripen NG deverá ser da ordem de 500kg no máximo (um cálculo preciso já foi feito mas não posso divulgá-lo. Já foram identificadas todas as áreas que deverão ser revisitadas durante o projeto do Sea Gripen.
Essas áreas de impacto vão ter um tratamento especial quando forem projetadas em nível detalhado como foi projetada essa peça que está sendo liberada hoje.
Ela terá um controle de configuração para que seja revisitada quando forem trabalhar no Sea Gripen.
Ou seja, já está sendo feito um pré-trabalho para facilitar o desenvolvimento do Sea Gripen.
O melhor dos mundos é um cliente decidindo agora pelo Gripen NG, acelera-se o desenho do NG que já está em andamento, daqui a uns dois anos lança-se formalmente o Sea Gripen em termos de projeto de engenharia e com o amadurecimento de grande parte do projeto do NG, pegam-se as peças que já estão marcadas e reprojetam-se as partes específicas para o Sea Gripen, pois já foram previamente identificadas.
Para um caça naval algumas características são importantes. Não somente a resistência estrutural, mas aspectos de controlabilidade, estabilidade, visibilidade a partir da cabine e outros são fundamentais.
O benefício de operar em rodopista é que as cargas para pouso são quase tão elevadas quanto a operação embarcada. O Gripen pousa em rodopista, se não me falha a memória, de 13 a 14 pés por segundo de impacto e a especificação para pousar em porta-aviões e na faixa dos 18 a 20 pés por segundo. Um caça não STOL pousa a menos de 8 pés por segundo de velocidade vertical.
O Gripen é um avião robusto que está meio caminho de um avião completamente capaz de operar embarcado. Mas não é só o fator da robustez no pouso ou da capacidade de aceleração, são vários fatores, um deles dos mais importantes, é a estabilidade próxima da velocidade estol, porque se está aproximando para o pouso com uma velocidade baixíssima.
O Bucanneer, por exemplo, pousava a 190 ou 200 nós, quase levando o porta-aviões embora. A velocidade ideal para pouso de um caça moderno pousando em porta-aviões é na faixa de 140, 150 nós. , O Gripen já tem um motor marinizado, o mesmo utilizado pelo F-18. Ele possui várias capacidades que apontam a viabilidade de um programa de um caça naval.
Eu diria que o projeto é de um nível de risco muito baixo. Diversas áreas deverão ser endereçadas mas todas estão sob controle e conhecimento da Saab. Aspectos operacionais particulares também precisarão ser considerados já foram identificadas e constam do planejamento do programa.