Isabel Fleck - Correio Braziliense
Às vésperas de seu discurso na 65ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o chanceler Celso Amorim afirmou que o Conselho de Segurança da ONU não representa mais a realidade internacional e sugeriu que haja um processo de mudança "de fora para dentro" no órgão. Segundo Amorim, o que ocorreu no caso da aprovação das sanções contra o Irã foi "desrespeitoso" com países como a Turquia e o Brasil. Segundo o ministro, o governo brasileiro soube da decisão dos membros permanentes a favor das novas barreiras por meio de uma agência de notícias. Amorim está em Nova York, onde representará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia, e terá 27 reuniões bilaterais com altos representantes de 23 países — em sua maioria, chanceleres de países em desenvolvimento, além do secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, o bilionário Bill Gates (1)e, possivelmente, o secretáriogeral da ONU, Ban Ki-moon.
Entre os colegas com os quais o brasileiro vai se reunir, estão o iraniano, Manouchehr Mottaki, e o turco, Ahmet Davutoglu. No encontro, inevitavelmente será discutido o acordo para a troca de urânio assinado pelos três em maio passado — e que foi ignorado pelos membros do Conselho de Segurança como alternativa às sanções. O ministro, inclusive, usou o exemplo do Acordo de Teerã para mostrar como é necessária uma reforma no órgão, que contemple um maior número de membros com poder de veto. "O episódio com a proposta do Brasil e da Turquia sobre o Irã demonstra como é ilusório pensar em reformar o Conselho aumentando somente os membros não permanentes. Se você não tiver a permanência, a sua influência será muito menor", observou.
Segundo ele, o grupo dos permanentes, formado por Estados Unidos, França, Rússia, Reino Unido e China, discutiu a resolução das sanções à parte e nem sequer informou os outros 10 membros não permanentes. "Tomamos conhecimento por um despacho da (agência) Reuters, antes mesmo de um membro permanente, que proclamava a amizade e queria nossa cooperação. Isso é uma maneira desrespeitosa em relação à comunidade internacional", disparou. Amorim disse não ser possível querer que países como Brasil, Índia e África do Sul "contribuam para os assuntos do mundo, e sua opinião não seja levada em conta".
A questão da reforma certamente entrará no discurso de Amorim na abertura do debate geral da Assembleia, depois de amanhã. No mesmo dia, o chanceler participará de reunião de cúpula no Conselho de Segurança. O tema será "como assegurar um papel efetivo do órgão na manutenção da paz e da segurança internacionais". "Temos a consciência de que não se pode manter o órgão que trata da paz e da segurança internacionais com a estrutura que ele tinha 65 anos atrás. Ele (o Conselho) precisa ser representativo da realidade internacional, e ele certamente não é", disse Amorim, já em Nova York.
Outro tema presente será a paz no Oriente Médio. O ministro terá encontros com os chanceleres do Egito, Aboul Gheit, e da Jordânia, Nasser Judeh, além de participar de reunião ministerial com Índia e África do Sul, Indonésia e Autoridade Palestina.
1 - Convite de Bill Gates
Entre os pedidos de encontro em Nova York, um surpreendeu até mesmo o chanceler: o convite do bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft. "Não sei sobre o que será a reunião, porque foi ele que me convidou", disse. "Mas o Brasil tem uma política muito forte de software livre, talvez ele esteja preocupado com isso", ironizou. O próprio Amorim, no entanto, acredita que os temas de interesse do empresário estejam relacionados com a Fundação Bill & Melinda Gates, que realiza projetos sociais, como de combate à Aids, em vários países.