Sergio Leo, de Brasília - Valor
Preocupado com a crescente competitividade de produtos da China nas licitações públicas, especialmente nos ministérios da Saúde e da Defesa, o governo vai chamar representantes da indústria, em setores como o têxtil, o farmacêutico e o de calçados, para definir uma "margem de preferência" ao fornecedor nacional. Essas margens serão fixadas na regulamentação da medida provisória editada nesta semana com alterações na legislação de compras governamentais. Segundo a medida, o governo pode optar por preços de fornecedores nacionais até 25% superiores aos dos concorrentes internacionais.
Manufaturas e serviços com inovações e avanços tecnológicos desenvolvidos no país poderão ser beneficiados com margens de preferência ainda maior que os 25% previstos. Além disso, o governo poderá definir como "estratégicos" bens e serviços de tecnologia de informação e comunicação que só poderão ser fornecidos por empresas que desenvolverem no país a tecnologia fornecida, como já se faz em outros países, como nos Estados Unidos, com encomendas do Pentágono.
Outra novidade da medida, a ser regulamentada nos próximos meses, é a permissão a instituições de ensino superior federal e centros tecnológicos para contratarem obras e comprarem sem licitação, por meio de fundações de apoio à pesquisa, equipamentos, materiais e outros insumos. As compras terão de se destinar a laboratórios para atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica.
A medida provisória, anunciada em maio dentro do pacote de medidas de apoio à indústria, foi justificada pelo governo como uma forma de reproduzir, no Brasil, o tipo de preferência aos fornecedores nacionais adotado por Estados Unidos, China e Colômbia, entre outros países, usando o poder de compra governamental para incentivar investimentos e geração de empregos. Os empresários nacionais em setores como o têxtil se queixam de que não conseguem competir com fornecedores asiáticos, que têm apoio oficial e condições de produção mais favoráveis que as do mercado brasileiro, submetido a alta carga tributária, juros elevados e câmbio valorizado.
Os ministérios da Defesa e da Saúde já vinham trabalhando em propostas próprias de mudança na lei de licitações para dar competitividade aos fornecedores nacionais. No Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Ministério da Educação conseguiu explorar os limites da lei para dar preferência a fornecedores nacionais de uniformes, móveis e outros materiais de uso.
No FNDE, entre outras medidas, as compras passaram a ser feitas em lotes menores, com exigências de padrões técnicos específicos, de acordo com os órgãos nacionais de metrologia, o que reduziu o interesse dos concorrentes estrangeiros. Mas os responsáveis pelas compras do governo se queixavam da falta de amparo legal para dar preferência a fornecedores nacionais, especialmente pequenas e médias empresas, como explicitado na política industrial do governo.
O Exército chega a prever compras superiores a R$ 105 milhões anuais em uniformes, segundo argumentou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao determinar aos assessores a elaboração de uma proposta para compras do setor, que ele pretendia ver concluída ainda no ano passado. Jobim foi alertado para o problema há cerca de um ano, quando uma licitação de cerca de R$ 10 milhões foi vencida pela empresa que optou por usar o tecido chinês, muito mais barato que o similar nacional. Essa tem sido a norma na compra de uniformes para as Forças Armadas, segundo os responsáveis pela medida provisória publicada terça.
O limite de 25% de preferência para os fornecedores nacionais foi fixado por insistência do Ministério da Fazenda, e o decreto de regulamentação da medida provisória fixará limites de acordo com estudos setoriais ainda em preparação. O governo prevê também a cobrança de "compensações" comerciais, industriais ou tecnológicas por parte dos fornecedores beneficiados, sob a forma de facilidades de financiamento, por exemplo. Segundo um técnico que participa das discussões, não há interesse em adotar, sem sérios ajustes, os estudos preparados pela própria iniciativa privada, que reivindica margens muito maiores que a de 25% - em têxteis, por exemplo, os empresários alegam que necessitam margens superiores a 30% para competir com os chineses.