Historicamente temerosos de um golpe militar, EUA protegem população civil para combater insurgentes
PRESIDENTES PODEM CONSULTAR OS MILITARES EM QUESTÕES TÉCNICAS, MAS
TOMAM DECISÕES POLÍTICAS
RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO - Folha de SP
Uma foto que esta Folha publicou na quinta-feira passada é uma perfeita e concisa aula de republicanismo e de relações entre civis e militares em uma democracia.
Citando a legenda: "Obama chega para pronunciamento seguido do general David Petraeus, o secretário da Defesa, Robert Gates, o vice-presidente, Joe Biden, e o almirante Michael Mullen".
O presidente americano, civil - poderia até ter sido um militar de carreira, mas é um civil como presidente, como foi o general Dwight Eisenhower - e presidente de uma das mais antigas repúblicas e democracias do planeta, é seguido, e não liderado, pelos seus chefes militares e pelo chefe, civil, do ministério que cuida das Forças Armadas.
A foto foi causada pelo episódio da remoção do general Stanley McChrystal do comando das forças no Afeganistão por ter criticado o presidente e tem o significado extra de lembrar os dilemas da maior potência militar nas suas duas grandes guerras, no Iraque e no Afeganistão.
Para o brasileiro, poderia parecer "briga na casa do lado". Mas os dois temas - relação poder civil e poder militar e guerra de contrainsurgência - também afetam o país. Por exemplo, na Amazônia, no Haiti e nos morros e favelas do Rio e de São Paulo.
Democracia e militarismo não combinam, como atesta a história das Américas. Os Estados Unidos da América se tornaram independentes após dura guerra de libertação. Mas seus "pais da pátria" morriam de medo dos líderes militares estarem interessados em tomar o poder.
Tiveram sorte com George Washington, que ganhou a guerra e era um general e político eficiente sem sonhos de virar um Napoleão.
Os países ao Sul, ao contrário, tiveram longas e desgastantes intervenções militares na sua governança.
Outro período difícil nos EUA foi a Guerra Civil. Mais uma vez surge o risco do militarismo. O presidente Abraham Lincoln driblou problemas políticos, mas tinha dificuldade de achar bons generais.
Achou alguns poucos bons, um dos quais - Ulysses Grant - terminou também virando presidente depois. O medo americano do militarismo fica claro ao se ver o tamanho do Exército comparado ao da Marinha. Na guerras mundiais, a Marinha era uma das maiores do planeta; o Exército estava longe disso.
O mesmo acontecia na "pátria-mãe": o Reino Unido tinha então a maior Marinha do planeta e um Exército de parada. Bonito de ver, por sinal, pois, se havia uma Marinha Real, não havia "Exército Real"; reais eram os regimentos, e cada um usava o uniforme de que gostava...
Na Guerra da Coreia, o presidente americano Harry Truman teve de tirar do cargo um general de proporções míticas, Douglas MacArthur, também por insubordinação.
Mas como um presidente "comandante em chefe", em geral ignorante de assuntos militares, pode comandar as Forças Armadas? Para isso ele depende do conselho dos militares; mas a decisão política é sua. Voltando às guerras deste século: a maioria não é "convencional", é "assimétrica". Ou seja, mais política que militar.
TÁTICA
O general David Petraeus, um dos mais brilhantes da geração, percebeu o óbvio: você não ganha de insurgentes com poder de fogo, e sim protegendo a população.
Foi ele quem reescreveu o manual do Exército de anti-insurgência, algo em que não se mexia desde a clássica derrota no gênero, no Vietnã.
Resumindo: o fundamental é proteger a população e livrá-la do contato com "bandidos", seja numa favela em Bagdá ou no Rio ou no Haiti, ou na zona rural do Afeganistão. O Brasil tem bom currículo, como já havia demonstrado a eficiente derrota dos guerrilheiros no Araguaia.
Vai dar certo no Afeganistão? Difícil dizer.
Os britânicos venceram na Irlanda do Norte com paciência (uns 30 anos!), sem força excessiva, tentando respeitar a lei. Os sírios também venceram com estratégia oposta na cidade de Hama, em 1982: bombardeando e matando.
Claro, essa não é uma opção para uma democracia.