O governo federal negocia com fornecedores internacionais a compra de 36 caças supersônicos, um contrato cujo valor é estimado entre quatro e oito bilhões de dólares. A operação não se limita unicamente a questões estratégicas de defesa, mas envolve também o domínio de tecnologia na área – o Brasil quer ser capaz de produzir caças no futuro, para uso próprio e também para atender o mercado – e também abre perspectivas de desenvolvimento econômico para diversas regiões do país.
Celso Horta - INOVABCD
A aquisição de 36 caças supersônicos não é o primeiro desejo de modernização das Forças Armadas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva procura realizar. Em setembro de 2009, Lula assinou acordo no valor de 6,8 bilhões de euros (cerca de R$ 20 bilhões) para adquirir quatro novos submarinos convencionais e viabilizar as bases para o desenvolvimento do primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro.
Sem alternativas de americanos, russos e outras nações que disponibilizassem transferência de alta tecnologia no negócio dos submarinos, a decisão do governo brasileiro de entregar a encomenda à França foi recebida com naturalidade, apesar de algumas vozes dissonantes.
Mas, ao contrário dos submarinos da Marinha, a história do fornecimento dos supersônicos à FAB – dentro do chamado projeto FX-2 – se transformou em um forte campo de disputa. Numa primeira rodada, seis fabricantes responderam à solicitação brasileira. Dentre eles, três foram selecionados pela Força Aérea Brasileira para participar de um segundo round desta concorrência: a Dassault francesa, a Boeing americana e a SAAB sueca.
O processo de escolha ganhou um condimento especial em setembro de 2009, quando o presidente Lula declarou que o acordo Brasil-França de aquisição de material bélico, incluiria o caça Rafale, da Dassault. Esse fato, contudo, estaria condicionado a garantias de transferência de tecnologia e autorização para exportar os aviões aqui produzidos para a América Latina. Mesmo tendo deixado a questão em aberto, a posição do presidente causou reboliço. Na avaliação de um ex-militar da aeronáutica, “o presidente é muito inteligente, muito responsável e não falaria o que falou no 7 de setembro se não fosse mal assessorado”.
Para aumentar a turbulência em torno do Projeto FX-2, em janeiro de 2010 a Folha de São Paulo divulgou relatório da FAB, que colocava o Gripen NG, da SAAB, à frente dos concorrentes. A avaliação levava em conta aspectos como custo de aquisição, operação e manutenção. Mesmo com a Dassault tendo reduzido seu preço em 1,8%, o Ministério da Aeronáutica não mudou posição.
Por fim, outros setores da sociedade que usualmente se manteriam distantes desse debate, decidiram se manifestar. Além de empresas do setor aeronáutico, lideranças políticas regionais, como o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, e sindicalistas da região do ABCD puseram-se em campo com o objetivo de defender a proposta da SAAB (não confundir com a SAAB automotiva) que, segundo eles, oferece melhores oportunidades de desenvolvimento para o país e para o ABCD.
No início de maio, a disputa seguia em aberto. A expectativa era de que o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, encaminhasse formalmente o assunto junto ao presidente Lula. A decisão final, que deverá ser tomada após reunião do Conselho de Segurança Nacional, não tinha, contudo, data para ser anunciada. De fato, o presidente da República chegou a aventar a hipótese de, até mesmo deixá-la para seu sucessor (ou sucessora).
Para que lado deve pender a balança nesse evento é difícil avaliar – até porque aspectos técnicos e também políticos envolvendo a efetiva transferência de tecnologia precisam ser considerados. Se Jobim tem se manifestado a favor do Rafale, em nome de questões estratégicas de geopolítica internacional, o posicionamento da FAB e o de Marinho, ex-sindicalista e amigo pessoal do presidente, deixam o horizonte pouco claro.
O jogo de pressões – acrescente-se, legítimo – em torno de uma decisão de tamanha importância deve prosseguir até que o martelo seja batido.
Nas páginas a seguir, INOVABCD detalha os desdobramentos da proposta da SAAB no que ela teria de impacto sobre a região do ABCD e ouve interessados no projeto. Posteriormente o correspondente Flávio Aguiar, enviado à Suécia para conhecer de perto a fábrica da SAAB, conta o que viu por lá. Entre outras coisas, o próprio Gripen NG (de New Generation), que alguns diziam ser um “avião de papel”. Não é.
PARCERIA OMBRO A OMBRO
“A SAAB está propondo ao Brasil uma parceria internacional que vai garantir não apenas transferência de tecnologia aeronáutica de última geração para a indústria brasileira como também a implantação de um polo tecnológico no ABCD.” A afirmação é de Bengt Janér, diretor geral da SAAB International Brasil e responsável pelas tratativas da empresa sueca junto ao governo brasileiro. Trata-se, segundo ele, de uma parceria para conquistar 10% do mercado internacional de caças que, nos próximos 20 anos, deverá substituir em torno de 2,5 mil dos 5 mil caças que voam no mundo hoje – o equivalente a um faturamento de US$ 40 bilhões.
Janér sustenta que a proposta da SAAB é única em diversos sentidos. De um lado soma o potencial tecnológico da aviação militar sueca com a capacidade instalada da indústria aeronáutica civil brasileira representada pela Embraer, hoje a terceira maior fabricante de aviões do mundo. Outro fator de peso é o fato de que o Gripen NG é um projeto em desenvolvimento. Isto significa que o novo caça poderá utilizar as mais recentes tecnologias desenvolvidas na área. “Não é um produto pronto, no qual você não tem mais nada a contribuir ou a aprender”, diz.
Segundo ele, o único processo comprovado de incorporação de tecnologia é quando ela é absorvida da prática e não da leitura de manuais. “A proposta da SAAB para o Brasil é exatamente essa: ‘fazer junto’”. O fato de ser um projeto novo – o que fica evidenciado no próprio nome “Gripen NG” – de Nova Geração – não preocupa Janér. À “acusação” dos concorrentes de que se trata de um “avião de papel”, ele rebate com o histórico da própria família de caças Gripen, que atua na Força Aérea Sueca desde 1997; na África do Sul, desde 1999; na Hungria desde 2001, na República Tcheca desde 2005 com um histórico de 120 mil horas de vôo.
Afora esses aspectos, Janér acredita ter em mãos um outro trunfo de peso: condições de financiamento extremamente vantajosas. “Nossa proposta prevê 100% de financiamento do valor do contrato, estimado em US$ 4,5 bilhões, que é metade do preço do concorrente francês, oito anos de carência, 15 anos para pagar e juros de 4,21% ao ano”.
CELULAR x TIJOLÃO - Na reserva da Aeronáutica brasileira, o brigadeiro do ar Fernando Cima, assessor da SAAB no Brasil, defende com o mesmo entusiasmo a aeronáutica brasileira e a alternativa Gripen NG para a FAB. Para ele, a Aeronáutica está muito tranqüila em relação ao posicionamento do presidente Lula ao lado do resultado pró Gripen obtido na concorrência feita pela FAB. “Comparar o Gripen NG com as alternativas disponíveis é o mesmo que comparar a atual geração de telefones celulares com os tijolões oferecidos aos consumidores há 12 anos”, brinca.
Para Fernando Cima, o que está sendo oferecido ao Brasil é a oportunidade de participar, ao lado de um país que já produziu duas gerações de caças militares de um projeto de desenvolvimento de uma nova geração do Gripen. Com metade dos custos, o dobro de autonomia e motor 20% mais potente, será capaz de conquistar uma fatia substancial do mercado internacional desta aeronave.
No caso do acordo com a SAAB, segundo o brigadeiro, a indústria aeronáutica nacional vai ganhar novos conhecimentos em varias áreas. Vai ser capaz de estabelecer um domínio completo sobre os software de integração de novos sistemas e novos armamentos.
Terá acesso, enfim, a uma serie de conhecimentos e “tecnologias duais negadas”, reivindicadas ao comando da aeronáutica pela indústria aeroespacial: material composto; fusão de dados; integração de motores, de sistemas em geral e homologação de produtos para validação internacional.
Segundo o brigadeiro, componentes como motores sobre os quais o fabricante não detém conhecimento, não compromete a proposta.
“Nenhum dos grandes fabricantes internacionais de aviões fabrica motores”, argumenta, explicando que são componentes comerciais prontos e desenvolvidos. “O segredo está em como integrar este motor ao avião”.
PERSPECTIVAS PARA O ABCD – Para o ex-diretor de Estratégias de Mercado e Defesa da Embraer, hoje assessor da SAAB, o engenheiro Anastácio Katsanos, a experiência junto aos franceses não foi animadora. “Durante oito anos a Dassault foi membro do Conselho de administração da Embraer, com 20% do capital. Ao longo desse período, nunca aportaram recursos para desenvolver nenhum projeto conjunto com a empresa”, afirma.
Ainda assim, a Embraer cresceu e, com ela, o parque aeroespacial brasileiro, com empresas de software, em São José dos Campos (SP), indústrias de aviônicos, em Porto Alegre; de manutenção de motores, no Rio de Janeiro e, mais recentemente, o surgimento de fabricantes em Gavião Peixoto, no interior de São Paulo, para onde foram transferidas algumas linhas da Embraer.
“Hoje empresas como Akaer, Inbra, Mectron e Atech, Aeroeletronica, num total aproximado de 200 empresas, estão prontas para acompanhar a Embraer neste novo salto que, se depender da SAAB e da vontade de sindicalistas e do prefeito Luiz Marinho terá a Região do ABCD como novo palco”, diz Katsanos.
Na opinião do engenheiro, a criação de um polo Aeroespecial e de Defesa no ABCD oferece benefícios como a qualidade da mão-de-obra na Região, a interação e o acesso ao porto de Santos. “A Embraer tem seções de fuselagem de suas linhas de produção que precisam ser transportadas de madrugada com esquemas especiais porque os viadutos entre Santos e São José não foram preparados para este transporte” relata o engenheiro. No ABCD, problemas como esses estariam naturalmente resolvidos.
OS NOVOS PROTAGONISTAS
Em meados de março, em companhia do economista Jefferson Conceição, seu secretário de Desenvolvimento Econômico, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, viajou para a Suécia onde cumpriu extensa programação oficial com o objetivo de estreitar a colaboração entre São Bernardo e aquele país. Na bagagem estava um projeto de transformar a cidade em um polo de tecnologia aeroespacial, gerando um novo impulso de desenvolvimento para a Região.
Não há novidade no fato de um prefeito buscar o melhor para a sua cidade. Até agora, contudo, a aquisição e produção de aviões caça se enquadrava na categoria de assuntos acerca dos quais poucas autoridades da República decidiam. Ao assumir abertamente a defesa do Gripen NG, Marinho – e com ele sindicalistas e empresários da região – quebrou um paradigma e se posicionou como um protagonista no episódio.
“O meu interesse é nacional e local. Foi isto que me fez entrar de cabeça nesse debate”, disse o prefeito para justificar sua posição no caso. Marinho, é claro, foca principalmente nos aspectos econômicos e de desenvolvimento que a escolha do Gripen NG poderia representar para o ABCD.
Mas ele não desconhece a importância de outros fatores envolvendo a decisão de compra. “Falei com autoridades da FAB que me garantiram que o Gripen é o melhor projeto tecnológico e o que oferece a melhor relação custo/benefício tanto no aspecto de aquisição como no de manutenção.”
Na defesa assumida da proposta da SAAB, Marinho, que foi Ministro do Trabalho e da Previdência, chegou a cutucar o ex-colega do Ministério da Defesa Nelson Jobim. Em declaração à repórter Karen Marchetti, do Jornal ABCD Maior, afirmou:
“O Jobim foi voar no Rafale e não foi sequer conhecer o Gripen. Então me parece que aí tem falta de transparência por parte de quem está conduzindo o processo”. Algo como dizer todos podem ter seu time de futebol de coração, mas que os juízes precisam, ao menos, ter um comportamento pautado pela isonomia.
SINDICATOS – Assim como Marinho, sindicalistas também se mobilizaram em defesa do projeto da SAAB. No final de abril, os presidentes da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), Carlos Alberto Grana, e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, estiveram em Brasília com o ministro do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comercio Exterior, Miguel Jorge discutindo o assunto.
Alguns dias antes, ao lado do sindicalista sueco Stefan Lofven, do IFF Metal, o sindicato dos metalúrgicos da Suécia, eles concederam entrevista anunciando o posicionamento dos trabalhadores a favor da alternativa Gripen no reequipamento das aeronaves da FAB.
Em declaração conjunta, os sindicalistas brasileiros demandaram o direito de opinar sobre negócios que, embora da área da Defesa, dizem também respeito ao desenvolvimento econômico nacional. Ao investir contra as “caixas pretas” e as “evasivas” intenções de transferência tecnológica das alternativas francesa e americana, destacaram que a proposta da SAAB “assegura a efetiva transferência de segmentos da cadeia produtiva, resultando que o Brasil produza peças, subconjuntos e conjuntos que irão compor a aeronave”.
De acordo com Valter Sanches, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e secretário de Relações Internacionais da CNM/CUT, a construção de um polo aeronáutico e a chegada da produção do caça na Região vão demandar a criação de centros e laboratórios de estudos. “É importante termos centros de desenvolvimento que empregam mão-de-obra qualificada.”
Sérgio Nobre diz que “a escolha do projeto Gripen significará mais empregos de qualidade para o País e a Região, um avanço histórico nas relações capital-trabalho e investimentos em alta tecnologia”.
Segundo Carlos Alberto Grana, “o projeto Gripen assume compromissos sociais que se tornarão um marco internacional de respeito às normas trabalhistas e à OIT, como a garantia de organização sindical nas fábricas que vão produzir os caças no Brasil e na Suécia”.
Para Adi dos Santos Lima, presidente da CUT/ São Paulo, a geração de 22 mil postos de trabalho também representará mais renda, mais consumo e melhores condições de vida.
Projeto FX-2: futuro em disputa
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Alguém ainda tem alguma dúvida de que o NG é o melhor caça? Fala sério né, o presidente pareçe que esta de olhos vendados indo ao encontro do desastre francês.
ResponderExcluirMuitos falam bem do gripen,mas não pensam que o mesmo é um sub-avião americano,já que o motor,avionicos,armamentos,cadeira-ejetora,radar,e material-composto são norte-americanos.Com isso aonde estaria a tão falada independencia dos americanos,assim só nos resta os Russos e os Franceses.
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