O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o secretário norte-americano da pasta, Robert Gates, assinam reatamento da cooperação militar. Texto facilita transferência de tecnologia e pode ajudar a Boeing na concorrência da FAB
Isabel Fleck - Correio Braziliense
O acordo que o ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, e o secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, assinaram ontem em Washington, à margem do Encontro de Segurança Nuclear, prepara o terreno para o cumprimento dos itens mais sensíveis da oferta feita pela Boeing na concorrência F-X2, da Força Aérea Brasileira (FAB). O texto marca a retomada de uma cooperação interrompida nos anos 1970, quando o Brasil suspendeu uma cooperação em vigor havia 25 anos. As negociações se desenrolavam desde o início do governo Lula, mas foram concluídas — de maneira providencial — antes do anúncio da decisão sobre a compra dos caças para a FAB. Jobim, no entanto, fez questão de já incluir os interesses brasileiros na ocasião. Segundo ele, o acordo abre caminho para a ossível venda de 200 aviões SuperTucano, da Embraer, para a Marinha americana.
Segundo o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, a assinatura do texto é um "passo elementar e fundamental em uma negociação de venda de caças", mas esse não é o seu "propósito" principal. "O acordo de cooperação tem um impacto muito maior do que só o intercâmbio militar ou a venda de um sistema de armas", afirmou, em entrevista coletiva. Com o documento, fica permitida a negociação, por exemplo, da transferência de tecnologias sensíveis do avião — um ponto sobre o qual Jobim nunca escondeu ter dúvidas, em relação à proposta americana. Entretanto, ao ser questionado se Washington espera que o documento dê mais chances à Boeing, Shannon desconversou: "Facilita no sentido de que é necessário, mas a decisão do Brasil é soberana e, obviamente, não depende do acordo de cooperação".
Jobim tentou desvincular a possível compra dos SuperTucanos da escolha a ser anunciada em breve pelo presidente — ambos já manifestaram preferência pelo caça francês Rafale. "Evidentemente, existe pressão para que o governo brasileiro compre também aviões americanos, mas estamos avançando um entendimento para separar os dois temas, a fim de que a negociação seja feita com calma", afirmou. Quem disputa com o avião da Embraer a preferência da Marinha dos Estados Unidos são dois modelos americanos, um deles fabricado pela Boeing.
Shannon assegurou que o acordo "guarda-chuva" não inclui a construção e nem a utilização de bases por militares americanos em solo brasileiro. "O propósito é promover a cooperação, e não abrir um espaço para bases militares. Nós não temos interesse nisso, e, obviamente, o Brasil muito menos", afirmou. O embaixador ainda assegurou que os EUA não estão acertando a "construção conjunta" de uma base multifuncional no Rio de Janeiro. "A ideia é compartilhar conosco o interesse de diferentes áreas do governo brasileiro, em especial a Polícia Federal", afirmou, destacando que o Brasil deseja construir um centro de inteligência que integre informações sobre tráfico de pessoas e armas, nos moldes do que os americanos mantêm em Key West, na Flórida.
Mais cooperação
Lula se encontrou, ontem, separadamente, com os premiês da Itália, Silvio Berlusconi, do Japão, Yukio Hatoyama, e da Turquia, Recep Erdogan. Na residência do embaixador brasileiro, Lula e Berlusconi assinaram um acordo de cooperação em temas econômicos, ambientais e militares. O plano estabelece um diálogo "de alto nível" em assuntos como o combate à pobreza, a mudança climática, o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Lula e Berlusconi também falaram sobre o caso do italiano Cesare Battisti, atualmente detido na prisão da Papuda, em Brasília. De acordo com a agência Ansa, Lula teria dito a Berlusconi que iria esperar "as motivações" do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve apresentar a declaração formal da sentença. O premiê, por sua vez, disse "apoiar e confiar" nas autoridades brasileiras. Com Hatoyama, o encontro foi sobre temas multilaterais, como a política de ambos os países diante do Conselho de Segurança da ONU.
O QUE PREVÊ O TEXTO
- Cooperação bilateral em questões relacionadas à Defesa, incluindo a aquisição de produtos e serviços. Terá enfoque nos campos da pesquisa e desenvolvimento, além de suporte logístico e segurança de tecnologia
- Facilitar iniciativas comerciais relacionadas à Defesa
- Troca de experiências em tecnologia de Defesa
- Intercâmbio de informações e experiências sobre operações e o uso de equipamento militar (nacional e estrangeiro) e sobre operações internacionais de manutenção da paz
- Compromisso com o treinamento e o ensino militar combinados e em exercícios militares conjuntos, assim como a troca de informações relacionadas a esses temas
Garantias
"As partes se comprometem a respeitar os princípios e propósitos relevantes da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização dos Estados Americanos, que incluem a igualdade e soberania dos Estados, a integridade e a inviolabilidade territorial e a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados".