Por R$ 1.500, compradores dos carros desviados conseguiam documentos e liberação de vistoria
Mahomed Saigg - O Dia
Rio - O grupo que atua desviando jipes e caminhões militares de quartéis do Exército no Rio também possui representantes em órgãos públicos do estado. Para regularizar a situação das viaturas retiradas clandestinamente das unidades, servidores e despachantes credenciados no Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RJ) são acionados e entram em cena. Para esquentar a documentação dos veículos, eles cobram R$ 1.500.
Procurada por O DIA, a Corregedoria do órgão informou que será aberta sindicância para tentar identificar os responsáveis pela fraude.
Oferecido pelos próprios donos dos ferros-velhos onde os equipamentos são comercializados, o serviço também é garantido por eles. "A gente tem um despachante da nossa confiança que faz todo o serviço para gente. Ele cobra R$ 1.500, mas você não tem problema com nada. A documentação sai perfeita e você nem precisa levar o carro até ele", ressalta a dona de um dos depósitos localizados no Município de Itaboraí.
Durante a conversa, ela lembra que, para serem emplacados, os veículos têm que passar pela vistoria do Detran. "Só que, como são carros militares, você vai precisar dos documentos do Exército que comprovem a venda por leilão ou licitação pública. Como isso você não vai ter, só vai conseguir esquentar a documentação se tiver a ajuda desse despachante que estou te falando. Sem ele você só vai conseguir o laudo de vistoria", avisa.
Vistoria fantasma' na mira do detran
"Não vamos admitir que pessoas que trabalham ou prestam serviço para o Detran compactuem com essa modalidade criminosa. O que essa mulher está oferecendo é o que chamamos de 'vistoria fantasma'. Os carros recebem o laudo sem sequer serem levados até os postos do Detran, o que é um absurdo", comentou Anthony.
Segundo o corregedor, além de colocar em risco a vida de outros motoristas e pedestres, essa modalidade de crime — a 'vistoria fantasma' — também é usada por bandidos para esquentar documentos de veículos roubados. "Por isso, combater esta prática é uma de nossas prioridades. Tanto que, de 2007 até hoje, já abrimos 3.700 procedimentos investigatórios para apurar indícios e denúncias de irregularidades nos postos", revelou.
Desse total, mais de 1.300 casos foram encaminhados para a Polícia Civil depois que as investigações apontaram indícios de prática de crimes. Neles, cerca de 1.500 dos cinco mil funcionários do Detran — considerando servidores públicos e terceirizados — estariam envolvidos. "Vamos acabar de vez com essa fraude. Não vamos tolerar esse tipo de comportamento aqui", avisou Anthony.
Ministério Público Militar investiga
O escândalo da venda de peças e viaturas do Exército em ferros-velhos da Região Metropolitana do Rio já está na mira do Ministério Público Militar, em Brasília. Após as denúncias de O DIA, a procuradora-geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira, determinou a abertura de procedimento para investigar o caso.
O objetivo é descobrir como os equipamentos foram retirados do Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar, que fica em Magalhães Bastos. Dias depois da descoberta da fraude, parte do material reapareceu na unidade.
De acordo com o Comando Militar do Leste, que instaurou um Inquérito Policial-Militar, tudo teria sido devolvido pelo dono de um dos ferros-velhos visitados por O DIA. O comerciante, no entanto, negou esta versão. Durante operação da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis que interditou o local, ele alegou que as peças e viaturas desviadas foram levadas por equipes do Exército.