Levantamento mostra que aquisições de países da região aumentaram 150% nos últimos cinco anos; no mundo, aumento foi de 22%
Brasil é o 3º comprador sul-americano, atrás de Chile e Venezuela, alavancado por ideia de país como potência global, avalia especialista
As compras de armas pela América do Sul cresceram 150% nos últimos cinco anos na comparação com o período entre 2000 e 2004, enquanto no mundo o aumento foi de 22%, mostram dados apresentados hoje pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri).
O salto é maior do que o de qualquer outra parte do planeta. Ainda que as aquisições sulamericanas continuem sendo uma parcela menor do total global, o instituto mostra preocupação com o rápido crescimento e com o que que vê como "indícios claros de comportamento competitivo" - um país reagindo à compra por outro.
Tensões fronteiriças históricas ou recentes não são o único fator a pesar para essa aceleração. "O Brasil em particular tem ligado desenvolvimento com a ideia de que é preciso adquirir uma força militar mais moderna para se tornar uma potência global, como o presidente Lula tem enfatizado nos últimos anos", disse por telefone Mark Bromley, especialista do Sipri na região.
Os dados, detalhados à Folha antecipadamente, tomam como base as encomendas de armas convencionais pesadas que foram entregues (e não apenas solicitadas) para cada país, o que cria expectativa de que o avanço persista.
O Brasil foi o terceiro comprador de armas da região e o 30º do planeta no período em foco, atrás do Chile (rival histórico do Peru e 13º comprador global) e da Venezuela (o 17º, constantemente em tensão com a Colômbia desde que Hugo Chávez e Álvaro Uribe chegaram ao poder em Caracas e Bogotá). Em seguida vêm exatamente Peru e Colômbia.
No quinquênio anterior, o país era o maior comprador da América do Sul e o 24º do mundo. Mas isso não significa que se gastou menos. Apenas que outros governos transformaram palavras em atos, e que tensões domésticas no sudeste da Ásia, em países como Malásia e Indonésia, catapultaram essa parte do mundo para um lugar mais alto da lista.
"As importações [de armas] pelo Brasil se mantiveram estáveis nos últimos dez anos, mas o volume global subiu", afirmou Bromley. Apesar do avanço dos vizinhos, nenhum deles manteve trajetória tão perene quanto a brasileira.
"Com as encomendas que o Brasil tem feito mais recentemente [como os caças do projeto FX-2, que renovará a frota da FAB], é provável que o país suba no próximo ranking", afirma o especialista.
Falta de confiança
O pesquisador aponta ainda para a necessidade de maior transparência nas transações de Defesa no subcontinente ("o histórico da América Latina aí ainda é volúvel") e de medidas que reforcem a tíbia confiança entre governos.
Ele ressalta, no entanto, que parte desse salto se deve ao fato de as compras terem ficado praticamente congeladas na região nos anos 80 e 90.
No bolo global, a fatia sul-americana ainda é pequena -a América, EUA inclusos, adquiriu só 11% dos novos armamentos nesse intervalo. A Ásia e a Oceania, líderes, compraram 41% (a entidade não dividiu a tabela por sub-região, nem forneceu dados suficientes para o cálculo).
A lista é encabeçada pela China, que tem gradualmente renovado seu arsenal para se equiparar a outras potências e recebeu 9% das armas do planeta. Em seguida vêm países com questões de fronteira como Índia, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos e Grécia. Israel é o sexto, e os EUA, com o poder bélico há muito consolidado, são os oitavos. O Irã é o 29º, e a Rússia, a 80ª.
De todas as entregas no período, 27% foram de aeronaves militares. Os americanos continuam sendo os principais vendedores de armas, com 30% da oferta mundial, seguidos pela Rússia (23%). A China é apenas o nono, mas os pesquisadores chamam atenção para seu papel ascendente.
Celso Amorim: armamento é para defesa de fronteiras e pré-sal
O investimento brasileiro em armas não é uma reação a ameaças regionais, mas sim a forma de o país "defender suas fronteiras, as reservas do pré-sal e a Amazônia", disse ontem o chanceler Celso Amorim, em Jerusalém. Por isso, "é uma bobagem" dizer que o Brasil tenta não ficar atrás da Venezuela em gastos militares. Questionado se o aumento dos gastos é uma questão de prestígio no cenário global, ele disse que "o que credencia o Brasil [no exterior] é a sua capacidade de diálogo".