Presidente do STM, porém, defende o militar, que poderá ter indicação para o cargo adiada pelos senadores
Maria Lima, Evandro Éboli e Cristiane Jungblut - O Globo
BRASÍLIA. As declarações do general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho sobre a suposta incapacidade dos gays de assumirem postos de comando na carreira militar provocaram polêmica e ameaçam retardar a indicação dele para uma vaga de ministro do Superior Tribunal Militar (STM). A indicação ainda tem que ser aprovada pelo plenário do Senado, mas, diante da repercussão, senadores que já haviam aprovado seu nome na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) agora querem voltar a ouvi-lo. O STM é a corte que julga processos contra militares, inclusive os que envolvem homossexuais militares.
O primeiro a pedir a volta do general à CCJ foi o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Para tentar impedir nova sabatina, assessores do Ministério da Defesa passaram o dia em reuniões com senadores e tentando convencer Suplicy a desistir. Queriam que ele recebesse Cerqueira a sós. Sem sucesso.
Na CCJ, quarta-feira, Cerqueira disse que as atividades desempenhadas pelas Forças Armadas "não são adequadas para homossexuais" pois "soldados não obedeceriam a comandantes gays". Ontem, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, tentou minimizar as declarações: — As declarações do general não influenciarão os debates internos do Ministério da Defesa, e isso não diz respeito ao Superior Tribunal Militar.
O presidente do STM, o civil Carlos Alberto Marques Soares, defendeu o oficial e disse que as declarações do general sobre homossexuais expressam a "voz corrente" entre os militares.
Para ele, não houve intenção de discriminar os gays: — O que foi dito é voz corrente nas Forças Armadas e não foi uma manifestação de homofobia.
Um indivíduo que entra para a vida militar e declara a um grupo pequeno que é homossexual, não é crime algum. É passível de ferir o decoro da classe se praticar ato público que lhe tire a capacidade de exercer a hierarquia e o respeito com seus pares e subordinados. Como, por exemplo, praticar ato libidinoso no quartel. Pode ser expulso seja homossexual ou heterossexual.
Durante a sessão, vários senadores repeliram as declarações de Cerqueira. Demóstenes Torres (DEM-GO) pediu que Suplicy entregue o requerimento convidando o general na terça-feira, antes da votação no plenário.
— O general vai ter que deixar claro que, num julgamento como magistrado, jamais terá um comportamento que contrarie a Constituição, que prega a igualdade de direitos, independente de gênero.
Já presidente da Frente Parlamentar da Defesa Nacional, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), criticou o general: — Grande parte dos generais romanos, que no passado enfrentaram campanhas duríssimas, era homossexual.
Não estamos diante de uma questão de princípios, e sim de direitos constitucionais.
Já o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PTB-SP), não acha que a polêmica ameace a aprovação da indicação: — Não vai atrapalhar, ele mostrou que é sincero.
O presidente do STM disse não achar que a repercussão possa levar o Senado a vetar.
— Se isso for causar algum problema de natureza que impeça um militar ou um juiz de tomar posse, ninguém tomaria posse. Veja bem, ninguém, que eu conheça, é contra os homossexuais.
O que somos contra é que a conduta fira a honra militar.
Desde que haja convivência respeitosa, não há problema.
'A tropa obedecia a Alexandre, o Grande'
Ex-militar gay reclama de general
O ex-sargento do Exército Fernando de Alcântara Figueiredo, que teve de sair das Forças Armadas após assumir sua homossexualidade, disse que o general Cerqueira fez uma declaração "retrógrada e infeliz" sobre os homossexuais e que ele está mal-informado.
Figueiredo, que chegou a ser preso e responde a processo, disse que enviará manifestação ao presidente Lula e à Comissão de Constituição de Justiça do Senado para evitar que o general seja nomeado para o STM.
Para ele, a declaração mostra que o general "não tem qualificação para ser juiz". Figueiredo pediu para sair do Exército em julho de 2008. Atualmente, é integrante do Tortura Nunca Mais e de uma ONG que defende direitos dos homossexuais. Seu companheiro, Laci de Araújo, foi acusado de deserção e preso, mas está trabalhando no Exército.
EUA reveem política
Hoje, militares homossexuais se escondem
O fim da política do "Não pergunte, não conte", nos Estados Unidos, conta com o apoio dos dois principais nomes da Defesa americana. Atualmente, militares que revelam sua orientação sexual são expulsos das Forças Armadas. Ao se alistar, quem se diz gay não é aceito. A mudança, uma das promessas de campanha de Barack Obama, abriria caminho para que os homossexuais prestem serviço sem a necessidade de ocultar a orientação sexual. O almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior Conjunto, e Robert Gates, secretário da Defesa, anunciaram uma comissão para rever a política.
— Não deixo de ficar perturbado pelo fato de termos uma política que força homens e mulheres jovens a mentir sobre quem são para defender os cidadãos — disse Mullen. Gates anunciou uma equipe de especialistas para analisar os passos que as Forças Armadas teriam de adotar para integrar pessoas declaradamente homossexuais