Medida é mais uma indicação de que o governo russo está disposto a unir-se à pressão contra programa atômico
REUTERS, AFP E AP, TEERÃ
O Kremlin anunciou ontem a suspensão temporária da entrega de mísseis terra-ar S-300 ao Irã, venda que aumentaria a capacidade iraniana de defesa contra ataques aéreos e havia sido duramente criticada por Israel, EUA, Grã-Bretanha, França e Alemanha. A decisão foi tomada em meio a sinais crescentes de que a Rússia apoiará novas medidas contra o programa nuclear iraniano e um dia após o primeiro-ministro israelense, Binyamin "Bibi" Netanyahu, visitar Moscou.
Citando um alto funcionário russo, agência Interfax noticiou que a suspensão da entrega é "temporária" e foi motivada por "problemas técnicos não especificados". No entanto, Vladimir Kasparyants, chefe da equipe que desenvolve as unidades, garantiu que "não há questões técnicas, trata-se de uma decisão política".
Firmado em 2007, o acordo para a venda dos mísseis ao Irã havia elevado a parceria militar entre Moscou e Teerã a um novo patamar, afirmam especialistas. Russos já tinham colaborado em projetos-chave do regime, como a construção da usina de Bushehr, uma das principais instalações nucleares iranianas. Analistas especulam agora que a suspensão da entrega dos mísseis seria uma forma de pressionar o governo de Mahmoud Ahmadinejad a negociar.
Nos últimos meses, a Rússia demonstrou ter decidido se juntar aos esforços americanos e europeus para ampliar o cerco ao programa nuclear iraniano. Na terça-feira, vazou à imprensa uma carta assinada por Moscou, Paris e Washington na qual a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) é exortada a intensificar negociações com Teerã.
O documento qualificava de "totalmente injustificada" a decisão do Irã de enriquecer urânio a 20%, anunciada há duas semanas por Ahmadinejad. O presidente iraniano também ameaçou enriquecer a 80% - para uma bomba, o urânio precisa ser enriquecido a pelo menos 90%.
"DEPÓSITO DE ARMAS"
As três potências do Conselho de Segurança comprometiam-se na carta a fornecer a Teerã material nuclear para tratamento oncológico. Ontem, a chancelaria iraniana rejeitou a oferta, qualificandoa de "irracional".
As críticas da secretária americana de Estado, Hillary Clinton, que disse acreditar que o Irã está se tornando uma "ditadura militar", chegaram ontem ao topo do regime dos aiatolás. O líder supremo iraniano, Ali Khamenei, acusou Hillary de "difundir mentiras" e ser "uma representante de vendas" para Washington transformar Golfo Pérsico em um "depósito de armas."
A número 1 da diplomacia americana esteve esta semana na Arábia Saudita, onde defendeu novas sanções contra a Guarda Revolucionária do Irã, braço armado do regime.
A viagem de Hillary também buscaria intensificar a pressão saudita sobre a China, único integrante do Conselho de Segurança da ONU que se opõe a sanções ao Irã. Riad é o primeiro fornecedor de petróleo de Pequim.
"Eles (os EUA) invadiram o Afeganistão e o Iraque, e agora estão acusando o Irã. Todo mundo sabe que a República Islâmica defende a paz entre todos os países muçulmanos do mundo", disse Khamenei.
No mês passado, o Pentágono decidiu expandir seu sistema de mísseis no Golfo. O objetivo seria reagir à crescente ameaça balística de Teerã.
Em entrevista à revista britânica New Statesman, o representante iraniano na AIEA, Ali Asghar Soltanieh, disse que o Ocidente deve se acostumar à ideia de que o Irã "domina o enriquecimento" de urânio. "Nunca abriremos mão desse enriquecimento - a nenhum preço", completou Soltanieh. "Sei que é difícil engolir isso, mas é a realidade."