Proposta tira poder de militares e deve causar mais desgaste no governo
Eugênia Lopes - O Estado de SP
Passada a crise com os militares depois que o governo recuou e desistiu de apurar a tortura e os desaparecimentos ocorridos durante a ditadura (1964/1985), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá enfrentar um novo round de desgaste com as Forças Armadas. Um projeto de lei complementar, enviado pelo governo em meados de dezembro ao Congresso, tira poder dos militares, fortalecendo o papel do Ministro da Defesa, que passa a ter autoridade para decidir sobre promoções e compras no Exército, Marinha e Aeronáutica.
"É uma lei que propõe dar musculatura ao Ministério da Defesa", resume o deputado José Genoino (PT-SP), que será relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
"É uma nova cultura que está sendo implantada. É claro que tem uma tradição, uma história de mais de um século e isso para mudar tem resistências", admite o petista. A proposta, que faz parte da Estratégia Nacional de Defesa, fortalece o cargo de ministro da Defesa, que passará a ter comando operacional sobre as três Forças.
O projeto de lei encampado pelo Executivo e negociado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, com os militares seria uma das causas para a "insubordinação" da Aeronáutica na questão da compra de 36 caças para a FAB.
Apesar de Lula ter dado demonstrações de sua preferência pelo caça Rafale, da francesa Dassault, o comando da Aeronáutica apresentou relatório preliminar com a recomendação de compra do caça Gripen NG, da empresa sueca Saab. No ranking da Aeronáutica, o Rafale ficou em último lugar.
Um dos motivos para o descontentamento da Aeronáutica foi a criação de uma secretaria única de compras para as três Forças, que passarão a ter um orçamento conjunto. O relatório da Aeronáutica teria sido uma reação corporativa ao projeto do Executivo. "Onde há uma concentração grande de recursos financeiros, corre-se o risco do manuseio político da verba", alerta o general Gilberto Barbosa de Figueiredo, presidente do Clube Militar. Para ele, o projeto tem vantagens e desvantagens, mas no geral não tira o poder das Forças Armadas. "Nessa questão das promoções, por exemplo, o contato hoje é direto entre o comandante da Força e o presidente da República. Com o projeto, entra o ministro da Defesa no meio, mas continua valendo a lei para definir as promoções."
NEGOCIAÇÃO
Presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) explica que a futura secretaria de compras vai ficar encarregada do "grosso do orçamento para a compra de material bélico, alimentação, fardamento". Ele observa, no entanto, que o projeto foi amplamente negociado com as Forças Armadas e que as resistências são mínimas e estariam concentradas nos militares da reserva. "Poderia haver uma reação a esse projeto se o presidente Lula não tivesse mudado do decreto dos Direitos Humanos", completa o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa.
Ao mesmo tempo em que submete as Forças Armadas ao jugo civil do Ministério da Defesa, o projeto de lei dá poder de polícia para o Exército, Marinha e Aeronáutica, que poderão revistar pessoas, veículos, embarcações e instalações e fazer prisões em flagrante delito em operações de vigilância na fronteira. "As ideias do projeto são corretas e necessárias. O poder de polícia para as Forças Armadas é restrito, só em situações específicas", argumenta o deputado Aldo Rebelo (PC do B-RJ).
Paralelamente às resistências de militares, o projeto deverá enfrentar dificuldades de ser aprovado neste ano eleitoral. A expectativa é que o Congresso funcione normalmente até maio. Em junho, começam as convenções para definir os candidatos e deputados e senadores iniciam a campanha para a eleição de 3 de outubro.