Segundo o jornal "Le Parisien", com base em relatório secreto, experimentos ocorreram no Saara argelino nos anos 60
LUCIANA COELHO
Um relatório secreto e anônimo escrito por militares franceses e obtido pelo jornal "Le Parisien" indica que a França usou seus soldados como cobaias em testes nucleares na primeira metade dos anos 60.
Segundo o relatório "A gênese da organização e experimentação no Saara", pelo menos um dos testes conduzidos no deserto, em 1961, visava "estudar os efeitos fisiológicos e psicológicos das armas nucleares sobre o homem", afirma o "Parisien" na edição de ontem.
"Nosso pelotão foi incumbido de simular a guerra atômica. Achávamos até que tínhamos sorte, comparando com quem estava na guerra de verdade", diz um dos soldados citados.
Em outro trecho, é descrito um experimento no qual um grupo de soldados foi colocado a 700 metros do local de uma explosão para verificar os efeitos da radioatividade. Após assistir à detonação, de dentro de tanques em uma distância de 1,5 km, o grupo caminhou a pé, sem máscaras, em direção ao local. Recolocado em blindados, eles chegaram a até 275 metros do ponto zero, apenas uma hora após o teste.
Segundo o "Parisien", o relatório foi escrito em 1998 -ano em que o então presidente Jacques Chirac pôs fim aos testes nucleares (foram 210 de 1960 a 1996; o Saara foi trocado pela Polinésia francesa em 1966).
No passado, soldados franceses reclamaram de terem sido tratados como cobaias, sem a proteção adequada, em testes de radiação. Em dezembro, o Parlamento aprovou a compensação de alguns veteranos.
Mas o documento que veio à tona ontem, se autêntico, seria o único conhecido sobre tais experiências, afirmou ao jornal Patrice Bouveret, presidente do Observatório das Armas, um centro de estudos sobre conflitos e paz. Além disso, disse ele à BBC, mostra que as autoridades francesas estavam cientes dos riscos para seus soldados.
O atual ministro francês da Defesa, Hervé Morin, afirmou que nunca soube do relatório. E disseque o nível de radiação a que os soldados foram expostos era "muito baixo", citando teores constatados em argelinos que viviam nas cercanias.