Nos bastidores, franceses lembram que compra de caças é parte de parceria entre os países Saab, empresa sueca que faz o avião apontado como o melhor pela Aeronáutica, comemora; Boeing, dos EUA, diz esperar escolha "técnica"
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA - Folha de SP
A França e a fabricante local de aviões Dassault apostam que a preferência política do Brasil irá dar a vitória ao caça Rafale na concorrência F-X2, um negócio de estimados R$ 10 bilhões para a compra inicial de 36 caças supersônicos.
Conforme a Folha revelou ontem, o relatório técnico do Comando da Aeronáutica colocou o Rafale em terceiro e último lugar na disputa final do F-X2. O preferido foi o sueco Saab Gripen NG, seguido pelo norte-americano Boeing F-18. O fator principal foi o preço.
Estima-se no mercado que o pacote oferecido para o Gripen, com armas e suporte, esteja na casa dos US$ 70 milhões por unidade. Isso é cerca de metade do custo unitário estimado do Rafale e 30% a menos que o F-18. Os valores são referenciais, já que houve renegociação até o último momento.
A decisão colocou o governo Lula numa sinuca. O presidente, depois de ter de recuar por anunciar o Rafale como vencedor em setembro, deu sucessivas declarações em favor do francês - o preferido do ministro Nelson Jobim (Defesa), que arquitetou a aliança militar entre Brasil e França, sacramentada em acordo de mais de R$ 20 bilhões em compras de submarinos e helicópteros.
O relatório da FAB não é terminativo. A decisão cabe exclusivamente a Lula, por tratar-se de assunto de segurança nacional. Mas politicamente, ainda mais no meio de uma crise militar decorrente da ideia do governo de investigar crimes das Forças Armadas durante a ditadura, o mal-estar é inevitável.
A Dassault não faz comentários sobre o relatório, alegando que a FAB é independente em sua avaliação e que não teve acesso ao conteúdo do documento. A assessoria da empresa afirmou que segue "otimista", já que a negociação não está concluída. "Consideramos que o Rafale é superior ao concorrente sueco em todos os níveis: técnico, operacional e em desempenho", afirmou.
Nos bastidores, representantes seus e do governo francês afirmam confiar na intenção de Lula para ver o negócio ser fechado. Um assessor próximo ao ministro da Defesa francês, Hervé Morin, concorda que o Rafale é mais caro, mas defende que o produto é melhor e lembra que as negociações se inserem na parceria estratégica entre Brasil e França.
A imprensa francesa repercutiu a informação: o negócio é considerado vital para as pretensões do Rafale, que nunca ganhou uma concorrência externa e viu suas encomendas por Paris serem reduzidas.
Do outro lado, os suecos comemoraram discretamente. "A Saab ainda não recebeu nenhuma informação oficial da FAB, mas, se o relato for correto, naturalmente estamos satisfeitos de ouvir que o Gripen foi o escolhido", disse comunicado enviado à Folha da Suécia. Extraoficialmente, contudo, há entre eles um misto de euforia pela escolha e temor pelo que deve acontecer. A Folha apurou que não só o peso político da França na negociação assusta, mas também a possibilidade de haver um adiamento do processo todo.
Como ocorreu na hora de decidir a questão em 2002, as pressões de envolvidos e o fim do governo atual conspiram para uma nova postergação.
Em nota, a Boeing diz que a empresa e o governo dos EUA esperam que "a decisão seja tomada com base nas propostas técnicas e estratégicas prioritárias do governo brasileiro".
Também defende o F-18, destacando o "programa robusto de transferência de tecnologia que contém oportunidades de codesenvolvimento para a indústria brasileira na evolução do programa Super Hornet [nome fantasia do F-18]".
A Embraer, maior empresa aeronáutica do Brasil e principal beneficiária privada do programa de transferência tecnológica e compensação industrial previsto no F-X2, evitou comentar o relatório.
Com ANA CAROLINA DANI, colaboração para a Folha, de Paris