Venda coloca Brasil em saia-justa, já que Índia, parceira estratégica do país, protesta contra negócios com o rival do sul asiático.
No ano passado, Mectron e Paquistão haviam fechado a negociação de um primeiro lote de cem mísseis, que custou 85 milhões de euros.
Igor Gielow - Folha de S.PauloA empresa paulista Mectron negocia com o governo do Paquistão o fornecimento de um novo lote de mísseis, de um modelo diferente do que foi comprado em negócio polêmico fechado no fim do ano passado. A eventual concretização da negociação ainda embrionária promete nova saia-justa para o governo brasileiro contornar, uma vez que a Índia já protestou veementemente contra a primeira venda. Desde a partilha pós-colonial em 1947, Índia e Paquistão são arquirrivais e já travaram três grandes guerras e inúmeros conflitos menores.
Para complicar, o ministro Nelson Jobim (Defesa), principal defensor do negócio de 2008, desembarca na Índia no começo de dezembro justamente para contatos com os militares do país.
Toda venda militar brasileira precisa ser aprovada pelo Itamaraty e, depois, pelo Ministério da Defesa. Na ocasião do primeiro lote de mísseis, cem unidades do modelo MAR-1 por 85 milhões, o então número dois da diplomacia, o hoje ministro de Assuntos Estratégicos Samuel Pinheiro Guimarães, se opôs ao negócio porque iria ferir suscetibilidades dos indianos. A Índia é considerada parceira estratégica do Brasil em fóruns como o Ibas (Índia-Brasíl-África do Sul), e o momento então era diplomaticamente sensível. O centro financeiro indiano de Mumbai havia acabado de ser atacado por terroristas de origem paquistanesa, numa série de ações que deixou quase 200 mortos.
O governo brasileiro foi o avalista do negócio da Mectron, concedendo um seguro de crédito de 25 milhões de euros por meio do Banco do Brasil. A coincidência da aprovação logo após os ataques gerou um duro pedido de explicações da Embaixada da Índia. A posição de Jobim, de que vetar o negócio implicaria acusar o governo paquistanês pelos ataques, prevaleceu. Posteriormente, um grupo de diplomatas indianos foi recebido na Defesa e recebeu explicações consideradas satisfatórias por eles de que nenhuma tecnologia sensível seria repassada.
Negociações
O novo negócio, conforme a Folha apurou, começou a ser discutido numa visita de representantes da Mectron ao Paquistão há mais de três meses. Há um intercâmbio constante de técnicos brasileiros e militares paquistaneses, por conta do contrato do MAR-1, então a visita passou despercebida. Paquistão e Ministério da Defesa não falam sobre o assunto, mas a Folha apurou que o governo brasileiro não foi avisado ainda da negociação. A Mectron, procurada pela reportagem, afirmou que não poderia falar sobre seus negócios -de resto, uma praxe no delicado campo em que atua.
A venda agora não seria dos MAR-1, mísseis que buscam destruir alvos que emitem sinais de radar, como baterias antiaéreas. Desta vez, o Paquistão mostrou interesse nos mísseis ar-ar, para combate aéreo.
A Mectron já fabrica o MAA-1 Piranha, míssil básico da aviação de caça brasileira, mas o modelo é de uma geração já obsoleta. Logo, a opção deverá recair sobre o MAA-1B, o Piranha-2, cujo desenvolvimento está em etapa final. Como no caso do MAR-1, um eventual contrato poderá fornecer o impulso final para a confecção em escala industrial do míssil.
A empresa, surgida dos escombros do parque bélico nacional nos anos 90, é um centro de excelência em engenharia. Será uma das principais beneficiárias de repasse de tecnologia caso a Força Aérea feche a compra dos seus novos caças.
No Itamaraty, há a preocupação em não melindrar os parceiros indianos -em termos econômicos, o volume comercial com Nova Déli pode chegar aos US$ 10 bilhões em 2010, enquanto com Islamabad não chega a US$ 500 milhões.
Objetivamente, os mísseis não mudam o equilíbrio de forças entre os rivais. O que detém os países de ir à guerra hoje, a qual seria ganha de forma convencional pela militarmente superior Índia, é o fato de ambos terem armas nucleares.