O ministro da Justiça sob o presidente Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim (nascido em Santa Maria, RS, em 1946) é o atual titular da Defesa e um dos mais estreitos colaboradores do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
El País: Existe uma corrida armamentista na região?
Nelson Jobim: Não, o que há é uma recuperação do tempo perdido. O único conflito que há na América do Sul é o da Colômbia, com as Farc [a maior guerrilha colombiana]. O resto é uma necessidade de defender os recursos que se tem. É preciso compreender que a América do Sul tem a melhor capacidade energética da América Latina em hidrocarbonetos e energias alternativas. Pensamos que hoje ter uma boa defesa é ter a capacidade de dizer não quando é necessário dizer não.
El País: De quê o Brasil precisa se defender?
Jobim: O Brasil não tem nenhum problema. Não tem inimigos. Mas existe a percepção de que precisamos ter a capacidade de defender todas as nossas infra-estruturas sensíveis, todas as nossas necessidades. Também a Amazônia. Há uma percepção internacional muito falsa. O Brasil vai cuidar da Amazônia para o Brasil e para todo o mundo, mas o Brasil vai cuidar dela. Esse é um assunto nosso, e não do mundo.
El País: Para quê o Brasil precisa de um submarino nuclear?
Jobim: Trata-se de um submarino de propulsão nuclear, e não de ataque. A plataforma continental brasileira abrange 4,5 milhões de quilômetros quadrados. A grande riqueza brasileira está a 160 milhas do litoral. Há necessidade de resguardar esses recursos.
El País: Enquanto vocês negociam com a França, a Venezuela flerta com o Irã. Que risco há de que ocorra uma nuclearização da região?
Jobim: Nenhum. Nós dominamos a tecnologia do enriquecimento de urânio há muito tempo. O uso do Brasil é para fins pacíficos. Devemos ser um dos poucos países que têm na Constituição uma norma que proíbe ter armas nucleares. O acordo com os franceses é com a parte não nuclear do submarino de propulsão nuclear. O reator e o combustível são brasileiros.
El País: Mas lhes preocupa um eventual plano venezuelano para desenvolver armas nucleares?
Jobim: Não, não creio que a Venezuela vá desenvolver nenhum tipo de arma nuclear. A América do Sul é uma região de paz, que tem seus conflitos políticos, mas não é como a Europa ou o Oriente Médio, onde há uma tradição de guerras.
El País: Serão tratados assuntos de cooperação nuclear na próxima visita de Mahmud Ahmadinejad ao Brasil, no final de novembro?
Jobim: Se o presidente Ahmadinejad tratar com o presidente Lula de temas nucleares será com fins pacíficos e não militares. Não há qualquer possibilidade de qualquer tipo de desenvolvimento, pesquisas ou estudos no sentido militar, somente da propulsão. Para armas nucleares, não. Impossível.
El País: Depois do surto de violência nas favelas do Rio de Janeiro, estão pensando em enviar militares?
Jobim: Não, não é o momento. A polícia tem a possibilidade de controlar isso. Se o governador tiver necessidade em algum momento, o exército poderá participar. Não é algo que se deva descartar, mas neste momento não há necessidade. A queda do helicóptero é um caso isolado. Mas se for necessário as Forças Armadas brasileiras têm a capacidade de atuar em ambiente urbano para manter a ordem. A partir de agora vamos ter notícias desse tipo o tempo todo, principalmente daqueles que não queriam que o Rio fosse a sede dos Jogos Olímpicos.
El País: Qual a sua opinião sobre os crescentes gastos da Venezuela em armamentos?
Jobim: Esse é um assunto da Venezuela. Nós não podemos lhes dizer o que devem fazer. A Venezuela deve decidir seu próprio caminho. O presidente Chávez tem a legitimidade democrática, porque foi eleito para isso, para tomar decisões. Eu não creio que a posição do presidente Chávez seja para atacar ou agredir alguém.
El País: Então não lhes incomoda que a Venezuela compre cada vez mais armamentos?
Jobim: Não, absolutamente. As relações do presidente Chávez com o Brasil são muito boas. Há questões como a Alba, a questão bolivariana, da qual não participamos, mas isso é um direito deles.
El País: Existe a necessidade de reconhecer que a multipolaridade é uma realidade?
Jobim: Quando se derrubou o Muro de Berlim havia uma unipolaridade; depois o governo Bush confundiu a guerra com as cruzadas medievais e não compreendeu que havia uma multipolaridade. A gestão dos EUA com a América do Sul passa por um problema: seu tratamento do povo cubano. Toda a sua política de embargo a Cuba gerou três coisas: um país muito pobre, um povo muito orgulhoso e a grande desconfiança da América do Sul. A visão que se tem dos EUA na América do Sul é condicionada por Cuba.
El País: Em questão de um ano os EUA instauraram a Quarta Frota; depois o assunto das bases na Colômbia. Que riscos tem para o Brasil a presença militar norte-americana na América do Sul?
Jobim: A presença militar dos EUA é muito antiga. Primeiro estiveram em Manta, no Equador. Agora na Colômbia, para apoio logístico na luta contra o narcotráfico e as Farc, não para atacar outra parte. Para nós não há nenhum problema. Com a Quarta Frota se fez muito barulho. Mas agora está consolidada mais como um fator administrativo interno dos EUA. Mesmo assim, se eles decidirem instaurar uma frota é um assunto deles. É como se o Brasil decidisse incrementar substancialmente sua presença militar na Amazônia; é uma questão brasileira e eu não teria de perguntar aos EUA.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves - Folha de S.Paulo