Aliança confirma morte de civis em bombardeio. Chanceler contra-ataca no Parlamento
Silvio Queiroz - Correio Braziliense
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) admitiu oficialmente que civis estão entre as vítimas do bombardeio ordenado na última sexta-feira, no norte do Afeganistão, pelo oficial alemão que comanda o contingente local da coalizão estrangeira que dá respaldo ao governo afegão contra os rebeldes talibãs. A declaração da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf) não cita números, mas mesmo assim complicou a situação da chanceler (chefe de governo) da Alemanha, Angela Merkel, que compareceu ao Bundestag (Parlamento federal) para responder sobre o incidente e justificar uma missão militar cada vez mais impopular. Dentro de três semanas, o país terá eleições legislativas, e o resultado se anuncia difícil para os dois maiores partidos alemães, que governam em aliança há quatro anos.
"Uma investigação preliminar levou a Isaf a acreditar que houve insurgentes, mas também civis, entre os mortos e feridos no ataque aéreo", diz o comunicado da força multinacional. No fim de semana, uma equipe da Otan que visitou a área do incidente, na província de Kunduz, estimara em 125 a 135 os mortos, entre eles pelo menos 24 moradores da região. O bombardeio foi ordenado pelo comandante alemão contra dois caminhões-tanque que tinham sido desviados pelos talibãs, possivelmente para um ataque contra a tropa. Uma ONG afegã que contabiliza as vítimas do conflito afirmou em relatório obtido pela agência de notícias France Presse que as vítimas civis seriam entre 60 e 70.
O pronunciamento oficial da Otan fez aumentar no Parlamento o coro dos que pedem a saída do ministro da Defesa, Franz Josef Jung, correligionário de Merkel na União Democrata Cristã (CDU). Jung foi mencionado nominalmente pelo líder do Partido Liberal Democrata (FDP), Guido Westerwelle, atualmente na oposição, mas candidato a assumir as Relações Exteriores no próximo governo, substituindo os social-democratas na coalizão. O vice-titular da Defesa, Christian Schmidt, assumiu o contra-ataque e criticou os aliados da Otan por não esperarem o resultado das investigações sobre o incidente "antes de apontarem culpados". Cobrou também maior empenho dos sócios no treinamento das forças afegãs. "Como é possível que metade dos policiais que estão lá sejam alemães?"
Merkel, cujo partido vem perdendo votos e sofreu duros reveses em eleições estaduais, no fim de agosto, adotou a mesma linha no Bundestag. "Não podemos aceitar julgamentos antecipados", afirmou da tribuna, dirigindo-se tanto à oposição esquerdista quanto às críticas externas, inclusive no âmbito da União Europeia. A chanceler lamentou "a perda da vida de um único civil que seja", mas rechaçou as pressões pela retirada das tropas — apoiadas por um só dos cinco partidos representados no Bundestag, a Esquerda, composta por ex-comunistas da extinta Alemanha Oriental e dissidentes do Partido Social Democrata (SPD). O candidato do SPD a substituir Merkel é o atual titular das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, que também falou em defesa da missão militar. Pesquisas de opinião mostram que 61% a 69% dos alemães querem que as tropas deixem o Afeganistão.
O número: 61%
Percentual dos alemães que defendem a retirada das tropas do país em missão da Otan no Afeganistão