BRASÍLIA e FORTALEZA. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou ontem que o governo dos Estados Unidos terá de explicar se a promessa de transferência de tecnologia, no processo de venda dos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), é irrestrita ou limitada, conforme determinam as leis americanas.
Em nota divulgada anteontem, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil informou que o Congresso americano aprovou a transferência da "tecnologia necessária" em eventual venda de caças da empresa americana Boeing à FAB, mas não revelou o alcance da medida.
— É preciso ver o que se entende por necessária. Necessária deles ou nossa? Há a posição francesa no sentido de transferência irrestrita (de tecnologia), mas isso tem que ser avaliado pela comissão (de licitação). O pessoal da comissão é que vai nos dar os dados — disse Jobim, em entrevista após reunião com autoridades de Portugal.
A embaixada americana divulgou a nota numa reação à decisão do governo brasileiro de abrir negociação, em caráter preferencial, com a empresa francesa Dassault, em detrimento da Boeing e da sueca Saab. A justificativa do governo brasileiro, como disse Jobim, é exatamente a promessa francesa de transferir tecnologia, o que motivou a reação americana.
Em Fortaleza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ontem que a França deu mais garantias ao governo brasileiro que os concorrentes: — Até agora, veja, o governante que deu a maior garantia para nós foram os franceses (sic). Houve uma proposta da Dassault. Essa proposta da Dassault tinha problemas, não atendia o Brasil. Na conversa que eu tive com o presidente (Nicolas) Sarkozy, ele me disse, textualmente, que a preferência é fazer com o Brasil, e esse avião também ser produzido no Brasil, na Embraer. Por conta disso, nós restabelecemos um processo de negociação e vamos ver se dá certo, para a gente poder comprar e cuidar deste país.
Boeing, Dassault e Saab participam do processo de seleção para a venda de 36 caças. Como trunfo, a Boeing agora oferece a transferência de tecnologia, item não previsto em sua proposta inicial. A empresa estaria disposta, ainda, a fazer uma parceria com a Embraer no projeto do cargueiro KC390.
O governo americano pode ainda incluir entre os instrumentos de pressão as negociações sigilosas para a venda de cem Super Tucanos da brasileira Embraer para as Forças Armadas dos EUA.
Um corte imediato da Boeing agora poderia atrapalhar o negócio da Embraer com os militares americanos.
— A Boeing poderá complementar, poderá trazer novas propostas, pois o processo continua — disse Jobim.
A comissão da FAB já enviou comunicado formal para a Boeing, a Dassault e a Saab para que apresentem por escrito, e em detalhes, as novas ofertas.
Mas o ministro deixou claro, mais uma vez, a inclinação do governo brasileiro pela proposta francesa. Pesa ainda em favor da França o recente acordo para a compra e a construção de cinco submarinos, um deles nuclear, e 50 helicópteros.
— O importante é que há uma decisão política do presidente da República de ampliar a sua aliança estratégica com a França.
Temos vários entendimentos com a França, ou seja, para que essa decisão política não possa ser executada, vai depender da Dassault e também das outras, porque aí você precisa ter comparativo — disse Jobim.