Orçamento muito menor que o das outras Forças é considerado "vergonhoso
Bernardo Mello Franco
BRASÍLIA. O anúncio de gastos bilionários com a compra de 36 aviões de combate para a Aeronáutica e a construção de um submarino nuclear para a Marinha gerou desequilíbrio e desconforto velado nas Forças Armadas.
Sem grandes pretensões no mercado armamentista internacional, o Exército ficou para trás na partilha de verbas para 2010, último ano do governo Lula.
No projeto de Orçamento enviado ao Congresso, o valor destinado ao reaparelhamento da Força é de R$ 361 milhões, cifra chamada de insuficiente e vergonhosa nos corredores do Quartel-General em Brasília.
Num cálculo que só leva em conta investimentos diretos em 2010, as verbas para reaparelhamento serão mais de sete vezes maiores na Marinha (R$ 2,7 bilhões), e três vezes e meia superiores na Aeronáutica (R$ 1,3 bilhão).
A longo prazo, a diferença ficará maior, já que o governo se comprometeu a gastar R$ 19 bilhões com os submarinos, e pelo menos R$ 7 bilhões com os novos caças da Força Aérea.
Apesar da discrição militar, a disparidade tem gerado protestos no Exército, onde são antigas as queixas pelo sucateamento de instalações e veículos. Para um coronel próximo ao comandante da Força, general Enzo Peri, a opção pelas compras bilionárias deixou na gaveta projetos mais baratos do Exército, a maioria ligada à preservação da Amazônia e às fronteiras.
— A diferença chega a ser vergonhosa. Marinha e Aeronáutica conseguiram emplacar dois projetos caríssimos, com muito apelo de marketing. Talvez o Exército tenha pecado por não vender algo tão grandioso. O fato é que o nosso orçamento está à míngua — afirmou o coronel.
Um general ouvido pelo GLOBO disse que os projetos das outras Forças são elogiáveis, mas não justificam o abandono das demandas do Exército. E citou três prioridades que não foram contempladas no Orçamento de 2010: a renovação da frota de blindados, já licitada e estimada em R$ 5 bilhões para a fabricação de mil veículos; a montagem de um sistema de defesa antiaérea, sem previsão de gastos; e a promessa de dobrar a presença militar nas fronteiras da Amazônia, que anda a passos lentos.
Deputado acusa governo de se render a lobby da França
Para 2010, o Orçamento do Exército prevê o uso de 2,6% das verbas para investimentos. Outros 7% irão para custeio, e 90,4% serão gastos com pessoal ativo e pensionistas.
O desequilíbrio entre os gastos bilionários e a falta de verbas para o cotidiano das Forças Armadas tem sido alvo de críticas na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. O deputado Julio Delgado (PSB-MG) acusa o governo de ter se rendido ao lobby da França, com a suposta cumplicidade de colegas que viajaram a Paris em julho com as contas pagas pela Dassault, que deve vender os 36 caças à FAB.
— As compras vão gerar desequilíbrio nas Forças Armadas, porque o Orçamento do Exército ficará mais descoberto. Parece que algumas autoridades estão sofrendo de francofilia.
Favorável à compra dos caças e submarinos, o presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa, Eurico de Lima Figueiredo, diz que o Exército também precisa ser ouvido: — Mas é impossível agradar a todos ao mesmo tempo.
Defesa nega desequilíbrio no orçamento
O Ministério da Defesa admite que os projetos de maior porte do Exército ficaram fora dos planos para o último ano do governo Lula, mas contesta as queixas sobre o desequilíbrio nos orçamentos das Forças Armadas.
Em nota, a assessoria do ministro Nelson Jobim disse que as verbas previstas para o reaparelhamento de Marinha, Exército e Aeronáutica não podem ser comparadas: “Não existe relação entre os gastos de uma Força e os de outra. Cada Força tem sua realidade e projetos com cronogramas específicos”.
Perguntada sobre os principais projetos do Exército, a Defesa citou o Amazônia Protegida, que prevê a construção de 28 Pelotões Especiais de Fronteira até 2018, ao custo estimado de R$ 1 bilhão.
“Mas ainda não há um detalhamento do cronograma”, diz a nota. O projeto não aparece no Orçamento enviado ao Congresso.
As diretrizes para o reaparelhamento decididas ano passado, no lançamento da Estratégia Nacional de Defesa, são de médio e longo prazo. “As Forças fizeram propostas de aparelhamento e de articulação até 2030, mas o Ministério da Defesa ainda vai fazer a análise e a consolidação pra corrigir omissões, superposições, etc. A partir daí é que serão dimensionadas as necessidades e elaborados os programas”, diz a nota.
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