SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA
Em certa ocasião, um general norte-americano me pediu que comparasse o Exército brasileiro ao de seu país.
Respondi-lhe que o meu Exército era nacional, comprometido com a manutenção da paz ao longo de um arco de fronteira com dez nações, articulado nos três níveis da administração do país e a última barreira na manutenção da lei e da ordem.
Ele me agradeceu e disse que minha resposta tinha sido muito útil. Imagino que sim, mas sempre achei que, de alguma forma, ela podia a ser útil à minha sociedade.
Compreender por que um Exército é nacional fica mais fácil identificando o que não o faz assim.
Há os que se portam como forças de ocupação em seu próprio território, alheios às comunidades locais. Outros se equilibram em frágeis arranjos pós-guerras civis que se refletem na sua heterogênea composição étnica, ideológica ou sectária.
Uns são instrumentos exclusivos de grupos ou indivíduos, sendo empregados à revelia da sociedade a que nominalmente servem. Alguns não têm uma história correspondente à evolução da nacionalidade, tamanhas as rupturas ocorridas, e há os que falharam na sua missão de proteger a sociedade de seus inimigos internos e externos, comprometendo a soberania e o seu exercício.
Isso para não falar das forças mercenárias que defendem interesses políticos e econômicos ao redor do planeta sem nenhum compromisso cívico, moral ou ético.
Um Exército faz parte da estrutura de uma sociedade e é difícil concebê-la politicamente organizada sem ele.
Mais do que combater, um Exército sintetiza o monopólio da violência pelo Estado no mais elevado nível.
Por ser uma organização regida por normas relativamente duradouras e por atender a uma demanda social básica (segurança), o Exército é uma instituição. Regras de controle social sobre ele incidem para que cumpra sua destinação e obedeça às autoridades constituídas na forma da lei. É um dos instrumentos da política, sem sê-lo partidário.
Os Exércitos são constituídos essencialmente por soldados. Ao longo da história, o ethos individualista e heroico do guerreiro deu lugar à ética da submissão voluntária às ordens dos comandantes.
Assim, disciplina e hierarquia se conjuminaram à coragem e à determinação para permitir a manobra, a combinação de fogo e movimento que a ciência militar levou ao estado da arte no último conflito mundial.
É central no trabalho de Max Weber a tese da extensão da disciplina militar à sociedade, "dando origem a toda disciplina".
É compreensível, portanto, que políticos, empresários e comentaristas recorram a metáforas militares.
Menos compreensível é a perda da consciência nacional no "espírito do povo" tornada possível, dentre vários motivos, pela percepção insuficiente da sociedade brasileira a respeito do seu Exército, na verdade, o nosso Exército, a que me referi como "meu" em minha resposta ao general.
O Brasil tem história e a ventura de haver caminhado pelo seu lado certo, ficando ao largo de guerras de conquista, totalitarismos e genocídios.
Mais antiga do que está acostumada a se enxergar, a nação conquistou a sua independência por meio de uma guerra que não apagou o legado colonial de lutas da população na defesa de seu território, cultura e patrimônio, obrigada depois a travar outras circunscritas aos mesmos propósitos.
Revisitar esse passado sem revisionismo ajudaria a construir o conhecimento histórico que nos tem faltado para produzir o conhecimento necessário ao desenvolvimento de nossa sociedade.
O Brasil tem Exército, instituição nacional permanente, como a Marinha e a Aeronáutica, organizada com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e ele destina-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Isso é bom para todos os brasileiros, em qualquer situação.
SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) para assuntos de segurança hemisférica.