Virgínia Silveira, para o Valor, de São José dos Campos
A decisão do governo brasileiro de iniciar uma negociação com os franceses para a compra de 36 caças de combate do modelo Rafale, produzido pela empresa Dassault, foi feita à revelia da Força Aérea Brasileira (FAB), que foi surpreendida pela notícia divulgada na última segunda-feira. "Lula ignorou o relatório da FAB, que levou meses para ser elaborado, e tomou a decisão política, sem base técnica", comentou uma fonte que acompanha de perto o processo.
Na Aeronáutica a informação oficial, divulgada pelo Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Cecomsaer), era de que o processo licitatório dos caças ainda está aberto e que a decisão final só será conhecida entre o final de setembro e início de outubro. A assessoria de imprensa do Ministério da Defesa informou que estava valendo o que foi dito pelo presidente Lula e o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, mas não confirmou nem desmentiu a escolha da oferta francesa.
Segundo fonte ligada ao processo de seleção dos caças, na última sexta-feira o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito e o presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (Copac) e coordenador do F-X2, brigadeiro Dirceu Tondolo Noro teriam se reunido com o ministro da Defesa Nelson Jobim e o presidente Lula para falar sobre o conteúdo do relatório técnico da FAB, que não indicava o Rafale como o preferido dos militares.
Um fator preocupante, segundo a fonte, é que além do Rafale ser 40% mais caro que os outros concorrentes, a proposta da Dassault não inclui montagem final e integração de armamentos. "Seria uma negociação à parte, o que encarece ainda mais o valor do contrato, estimado em US$ 4 bilhões", afirma.
Especialistas afirmam ainda que na negociação com a França uma das questões pendentes seria o alto custo das horas de vôo dos caças franceses, o que inviabilizaria sua operação na Força Aérea. O custo operacional do Rafale foi estimado em US$ 16 mil, enquanto o americano F-18, da Boeing, teria um custo de US$ 10 mil e o sueco Gripen, da Saab, de US$ 4,5 mil.
Em relação às propostas de transferência de tecnologia, item em que a aeronave francesa estaria bem à frente dos concorrentes, nos bastidores do setor aeroespacial brasileiro a informação também é diferente. Segundo fonte ligada aos militares, durante a seleção do FX-2, as empresas Embraer, Atech, Mectron e Aeroeletrônica foram convocadas pela Aeronáutica para fazer uma avaliação das propostas de parceria feitas pelos concorrentes, principalmente na transferência de tecnologia. De acordo com a fonte, somente a Atech teria colocado o Rafale em primeiro lugar. As demais colocaram o Gripen em primeiro, o F-18 em segundo e em último o Rafale.
Um empresário do setor aeroespacial disse que a forma como a transferência de tecnologia foi colocada no processo de compra dos caças não dá nenhuma garantia efetiva de que será cumprida. "No F-X2 essa transferência fica a critério da empresa contratada. Deveríamos fazer como nos Estados Unidos, onde as compras de defesa sempre são feitas diretamente da empresa nacional, e quando a tecnologia é comprada de fora, existe a obrigação de um percentual mínimo de participação da empresa nacional, que hoje é de 75%".
Procurada, a Embraer também não se manifestou sobre a decisão do governo de negociar a compra dos caças com a Dassault. A empresa deve ser uma das principais beneficiárias do acordo com os franceses, pois o presidente Nicolas Sarkozi, anunciou a intenção de compra de 10 aeronaves KC-390, o cargueiro militar que a Embraer está desenvolvendo para a FAB. Segundo especialistas próximos ao F-X2, a Boeing teria manifestado essa intenção em sua proposta enviada à FAB e o número de unidades a serem compradas pelos americanos supera em muito o anunciado pelos franceses.
A Boeing e a Saab não se manifestarem ontem. Segundo o diretor geral da Gripen Internacional, Bengt Janér, a empresa não recebeu nenhuma informação oficial da FAB e nem do governo a respeito da escolha de um dos concorrentes ao FX-2. A Boeing limitou-se ontem a emitir uma nota por meio da qual informa não ter sido comunicada "nem pela comissão do FX-2 nem pelo governo brasileiro a respeito de qualquer decisão ".
A direção da Boeing estava animada com as chances de seu avião, o Super Hornet, ser escolhido. Enquanto negociava com o governo brasileiro, nos últimos meses, a Boeing assinou termos de compromisso com 25 fabricantes de componentes do Brasil, espalhados entre São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Além disso, sondou diversas empresas, como a pequena Navtec, com 15 funcionários, localizada em Santa Rita do Sapucaí, Sul de Minas Gerais. A Navtec, que surgiu para abastecer a Helibras, foi visitada pela Boeing há mais ou menos dois meses, conta Claile Oppenheimer, um dos sócios.
(Colaborou Marli Olmos, de São Paulo)