Em reunião com ministro, chefe do gabinete militar diz que transferência de tecnologia será 'completa'
Almirante esteve no País com o vice-presidente internacional da Dassault para confirmar garantias prometidas por Sarkozy
Tânia Monteiro
BRASÍLIA - Dando prosseguimento à ofensiva para a venda de 36 novos caças para o Brasil, o almirante Edouard Guillaud, chefe do gabinete militar do presidente da França, Nicolas Sarkosy, esteve na segunda-feira, 21, em Brasília, em companhia do vice-presidente internacional da Dassault, fabricante do caça francês Rafale.
Eles se reuniram com o ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, para "trazer a garantia do governo francês", seja oferecendo as mesmas condições financeiras dadas à Força Aérea francesa quando adquiriu as aeronaves, seja de transferência de tecnologia "completa, sem restrição e sem limite".
Todas as garantias já estavam registradas na carta assinada por Sarkozy e entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na manhã do dia sete de setembro, antes de os dois países apresentarem o comunicado conjunto dizendo-se "parceiros estratégicos", quando foi anunciada a abertura das negociações com a França para a aquisição dos 36 Rafale. "Espero tê-lo convencido", disse o almirante em entrevista exclusiva ao Estado, após a audiência com Jobim.
Mesmo sem querer falar sobre o preço do pacote de venda do Rafale e os seus custos - de acordo com autoridades brasileiras, o maior problema do modelo francês -, o almirante Guillaud assegurou que o custo da hora de voo do modelo francês "não foi considerado alto" pelo Brasil.
Pressionado a responder se a França reduziu sua proposta para assegurar a "preferência política" antecipada pelo Brasil, o chefe do gabinete militar de Sarkozy reconheceu que "há problemas de preço" e sinalizou que a França já abaixou os seus valores, para se manter no páreo: "nunca vi uma negociação comercial terminar com um preço superior ao preço inicial".
O almirante Guillaud fez questão de estar no Brasil nesta segunda-feira, 21 de setembro, dia em que encerraria o prazo para a entrega das propostas de todos os concorrentes, e que foi adiado para dois de outubro. Ele estava presente no jantar, no Palácio da Alvorada, na noite de seis de setembro, quando Lula teve de trocar o cardápio porque a tampa da churrasqueira estourou, coalhando a carne que seria oferecida de pedaços de vidro. Guillaud riu ao se lembrar do ocorrido, e assegurou que o Rafale entrou no cardápio, mas não foi o prato principal já que, mais uma vez, na conversa, Sarkozy manifestou o apoio da França à aspiração brasileira de ter um assento no conselho de segurança da ONU.
A seguir, a íntegra da entrevista:
A Dassault é uma empresa privada. Ela vai honrar os compromissos feitos por Sarkozy?
Nós (governo francês) somos o principal cliente da Dassault, o que nos dá algum meio de pressão. A Dassault representa apenas um terço do avião. Temos meios de garantir o que os compromissos firmados pelo presidente Sarkozy sejam cumpridos.
O senhor esteve com o ministro Jobim. Está certo de que o escolhido será o Rafale?
Falamos de uma Parceria global sustentável. A oferta da França é de uma transferência tecnológica completa, sem restrições, sem limite, com tecnologias que precisam de 15 a 20 anos para serem desenvolvidas e que somos os únicos proprietários e que não precisamos pedir autorização a ninguém para transferir esta tecnologia. Fui me encontrar com o ministro Jobim para trazer a garantia do governo francês quanto a esta transferência de tecnologia e uma segurança de que tudo será feito em boas condições financeiras, as mesmas que fazemos para a Força Aérea Francesa e a Marinha francesa. Espero tê-lo convencido.
Qual o valor do pacote?
Nós respondemos a cada item do edital. Como a licitação não terminou oficialmente, não posso dar números.
O presidente Lula disse a Sarkozy que não seria possível chegar a um acordo porque o preço dos franceses era muito alto. Ele foi reduzido?
Não tenho lembrança desta conversa entre os dois presidentes. O que eu sei é que de fato o Rafale é um avião mais caro do que um dos seus concorrentes. Só que o concorrente menos caro vai duas vezes menos longe, tem um só motor - e é por isso menos seguro, comporta duas vezes menos armas, tem um problema diplomático de transferência de tecnologia e sobretudo é um avião virtual, um jato de papel. Quando me dizem que custa duas vezes menos, (questiono) como se pode dizer isso de algo que não existe ainda. Vamos esperar ele voar e ser produzido em série, para depois comparar. No dia que a licitação for fechada é que as negociações comerciais vão começar. Os brasileiros de um lado, e a indústria francesa de outro, vão discutir preço. Nunca vi uma negociação comercial terminar com um preço superior ao preço inicial.
Mas o problema maior neste momento é o preço da hora de voo e o preço do pacote do avião.
Não é verdade. Muitas pessoas não francesas têm feito muitas declarações. E é por causa desta onda de desinformação que aceitei dar uma entrevista. Nenhuma autoridade francesa havia falado até agora. Como o Brasil, somos uma democracia. Queremos que as coisas aconteçam em um quadro jurídico, comercial e industrial transparente. De fato, há questões de preço. Isso é natural. Mas, qualquer que seja o vencedor, isso só será negociado depois da proposta técnica. Se você ler revistas sobre a indústria automobilística, verá que as revistas nunca concordam com o preço do quilômetro do mesmo carro, porque isso depende de muitas variáveis, até da idade do piloto, do estado do asfalto onde vai rodar, etc.
Mas as autoridades brasileiras se queixaram por exemplo do custo da hora de voo.
O que eu sei é que a Força Aérea Brasileira e a francesa já tem uma aeronave comum que é o Mirage 2000. E posso dizer que o custo da hora de voo de ambas é da mesma ordem. E o custo da hora de voo do Rafale está em contrato. Não é uma avaliação. É de 9,8 mil euros por hora, nos próximos dez anos. Foi um contrato com a indústria. É por isso que falo em transparência. É um valor teto para a aeronáutica e a marinha. Além disso, a indústria é que paga. Há muita desinformação.
Eu insisto, este preço foi considerado muito alto pelo governo brasileiro.
Não foi considerado alto. Este já é a mesma ordem de preço dos Mirage atuais. E é para um avião maior, muito mais potente. O governo americano, de forma pÚblica, fala em um montante de 7 mil dólares pelo F-18 Super Hornet. Considerando a taxa de câmbio, desfavorável para o euro, a oferta francesa é equivalente, como numero. No entanto, o que posso lhe dizer é que existem outras variáveis como o peso da transferência de tecnologia, o valor financiado, etc.
Quantos aviões serão construídos aqui no Brasil?
O que a França propôs foi que dos 36 aviões, os seis primeiros seriam fabricados e montados na França. Os 30 seguintes, peças fabricadas na França e montados no Brasil. E se a FAB decidir ir além disso, aos poucos tudo seria transferido para o Brasil. Isso é a manifestação prática de transferência de tecnologia.
O que inclui o pacote?
Tudo. Armamentos, software, radares, inclusive algumas armas que a FAB já tem e que serão adaptadas. Além dos códigos-fonte, que permitem ao Brasil fazer um Rafale diferente.
Quais são os pontos da carta que Sarkozy deixou com Lula?
Confirmo a existência da carta. Os itens essenciais são de que a transferência de tecnologia será completa, os preços serão comparáveis com os cobrados das forças armadas francesas e que, obviamente, o governo francês vai ajudar o governo brasileiro para ter certeza de que tudo será feito com a maior transparência. A taxa de financiamento ainda não foi abordada, mas é claro que a França vai oferecer um financiamento preferencial e subsidiado. Somos parceiros estratégicos. Está fora de cogitação nos comportarmos como vendedores de armas. Parceria estratégica significa muitas coisas.
No jantar, o presidente Lula assegurou que o Brasil iria comprar os Rafale, disse que o avião estava escolhido, como chegou a ser confirmado pelo ministro francês?
Não aconteceu assim. O presidente Lula é que deve responder porque ele era o anfitrião. Ele disse que se orientava por uma preferência política, o que repetiu na coletiva. Quanto ao resto, não havia microfones e o anfitrião deve falar.
Mas me parece que o ministro da Defesa francês declarou que o presidente Lula concordou em comprar o Rafale e disse isso para os senhores.
Ele não estava naquele jantar. Eu estava naquele jantar. O presidente Lula marcou uma preferência política. Ficou claro que havia boa fé da França em relação à transferência de tecnologia. Isso não são interpretações, são fatos, são palavras.
O senhor pode detalhar os itens da carta?
Não. A carta é muito curta, muito clara, com compromissos de um presidente de um país amigo com outro país amigo. É que durante conversa se verificou que havia informações contraditórias que estavam circulando e que, era importante dar explicações que cabiam ali. Explicações para as negociações. Isso tudo aconteceu em um clima extremamente amistoso.
O senhor está confiante de que serão vencedores?
Se eu falar como militar, das três aeronaves, o Rafale é o melhor. Como engenheiro, das três aeronaves concorrentes, tem uma que é mais velha e uma que não existe. Portanto, o Rafale é o mais moderno. Se eu falar como contribuinte, a relação qualidade preço é sensacional porque ela é acompanhada por uma transferência de tecnologia que é fenomenal e quem fala é um país que não precisa de pedir licença pra ninguém. Com a parceria será possível ter benefícios em inúmeras áreas, como a científica, estratégica, lançamento de satélites. Além disso, politicamente o presidente Sarkozy defende que o Brasil tenha um assento no conselho da ONU, defende ampliação do G-8 para G-14, com participação do Brasil. É uma abordagem global.
Fala-se que o Rafale pode ganhar só pela preferência política e não técnica.
Do ponto de vista tecnológico, o Rafale é superior ou igual a todas as outras aeronaves existentes.
E a parceria com a Embraer ?
Não apenas conversamos, como fizemos questão de que o vice-presidente da Dassault viesse comigo para que ele desse respostas. São mais do que 30 acordos firmados. Temos muitas coisas em comum e podemos nos complementar.
O senhor também considera o cargueiro militar KC 390, da Embraer, um 'carrinho de mão', como disse o ministro da Defesa, Hervé Morin?
(Constrangido e enrubescido). É claro que não. Juro pra você. Ele vai cumprir uma lacuna. Ainda vou convidá-la para voar neste avião pintado com as cores da França.
Assessor militar de Sarkozy traz garantias do Rafale a Jobim
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Nenhum Rafale vai ser produzido no Brasil. Sendo assim, a propalada transferência de tecnologia francesa será, somente, de manuais. A indústria brasileira não irá colocar a mão na massa. Isto está bem claro nessa entrevista.
ResponderExcluirMuito diferente da proposta do Gripen, que considero muito superior pelo que foi dito até então.