Índia e Chile reclamam de equipamento, que também foi comprado pela Marinha do Brasil
Daniel Rittner, de Brasília
O submarino de propulsão diesel-elétrica Scorpène, que faz parte de um pacote de € 6,8 bilhões fechado pelo governo brasileiro com a estatal francesa DCNS, tem um retrospecto de atrasos e falhas técnicas na Índia e no Chile, dois dos únicos três países no mundo que operam esse equipamento militar - o outro é a Malásia, onde o contrato com a empresa esteve na origem de escândalos políticos.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, deverá assinar o contrato com o Brasil, negociado em 2008, durante a visita oficial que fará ao país, na primeira semana de setembro. A programação de Sarkozy em Brasília inclui até mesmo sua presença no desfile militar do Dia da Independência.
As maiores evidências de problemas com o modelo francês estão na Índia, que fechou um contrato em 2005 para a compra de seis submarinos convencionais da França, por US$ 3,9 bilhões. O contrato com a Índia previa a entrega de um submarino por ano, a partir de 2012. No entanto, o programa acumula dois anos de atraso e seus custos subiram pelo menos 10%. De acordo com o governo indiano, a construção dos equipamentos deveria ter atingido 27% do total em dezembro passado, mas só houve progresso efetivo em 9% das atividades. O relato foi feito pelo ministro da Defesa local, em 20 de julho, ao Parlamento da Índia.
Numa audiência com congressistas, o ministro reclamou de problemas com a transferência de tecnologia prometida pelos franceses e advertiu que os atrasos "provavelmente terão impacto" na capacidade das forças marítimas indianas. Da frota de 16 submarinos convencionais, incluindo russos e alemães, sete deverão sair de operação até 2012. Isso preocupa as autoridades do país, no contexto de uma região com forte tensão geopolítica - Paquistão e China estão aumentando rapidamente as forças de combate marítimas.
O contrato da Índia com a França prevê a construção dos submarinos a diesel, com transferência de tecnologia, em um estaleiro indiano localizado em Mumbai. Também em julho, o escritório indiano de Auditoria e Controladoria Geral (CGA) apontou a existência de "vantagens financeiras indevidas" à França. "Foram feitas (aos franceses) grandes concessões em termos de garantias, desempenho das garantias bancárias, arbitragem e liquidação de prejuízos", concluiu a auditoria.
A Marinha do Chile, que encomendou dois aparelhos Scorpène em 1997 e foi uma das primeiras parceiras da França no projeto, admitiu ter enfrentado algumas complicações. Pouco após a entrega da primeira unidade, em dezembro de 2005, o SS-1 O"Higgins, o então Comandante da Marinha, almirante Rodolfo Codina, declarou que um dos motores apresentava "problemas pontuais": uma infiltração de água pelo sistema de resfriamento, que trazia riscos de oxidação de partes do aparelho.
Dentro do contrato de € 6, 8 bilhões com a França, o Brasil gastará € 1,660 bilhão com quatro submarinos de propulsão diesel-elétrica, que custarão € 415 milhões por unidade. A construção, no Rio de Janeiro, do casco do primeiro submarino nuclear brasileiro custará mais € 2 bilhões. Vale ressaltar que a França participará apenas com a parte não nuclear do projeto, já que a Marinha do Brasil está desenvolvendo integralmente o reator atômico do futuro submarino, cujo protótipo os almirantes dizem que ficará pronto em 2014.
Do restante do investimento, € 1,8 bilhão será aplicado em um novo estaleiro (para a construção dos equipamentos) e de uma nova base naval, capaz de abrigar o novo submarino nuclear. Também será investido € 1,240 bilhão na compra de armamentos, como torpedos, no processo de transferência de tecnologia e no apoio logístico integrado. De acordo com a Marinha, mais de 30 empresas brasileiras serão beneficiadas com compensações oriundas do acordo.
A compra dos submarinos franceses foi acertada em dezembro do ano passado, durante visita de Sarkozy ao Rio de Janeiro, como parte do acordo de parceria estratégica entre o Brasil e a França.
Agora, em setembro, será firmado o contrato de financiamento, com a definição das fontes de empréstimos e dos valores de juros praticados.
No dia 12 de agosto, a Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) autorizou a "preparação comercial" de um empréstimo de € 4,3 bilhões, por um consórcio de bancos liderado pelo BNP Paribas, e contrapartida brasileira de € 598 milhões. A soma não contempla o valor total do pacote, porque os recursos para a construção do estaleiro e da nova base naval serão desembolsados pelo Tesouro.
A Marinha analisou três projetos para aumentar sua frota de submarinos: o russo AMUR 1650, o alemão IKL 214 e o francês Scorpène. Segundo o comando militar, os estudos apontaram que o Scorpène atendia melhor às necessidades brasileiras, por ser "mais moderno" e ter "maior intervalo entre manutenções". Com restrições orçamentárias, no entanto, decidiu-se construir apenas mais um submarino. O programa nuclear, prioridade número um da Marinha, vinha sendo mantido em estado quase vegetativo desde 1996.
Nesse cenário, optou-se pela construção de um novo IKL 214, tendo em vista a existência de cinco submarinos alemães na frota atual. Em notas explicativas, a Marinha afirmou que buscava "manter a mesma linha logística" e "evitar que a escolha de projeto diferente, para a construção de uma única unidade, pudesse ensejar retaliações dos alemães, mediante o boicote de sobressalentes para os submarinos existentes".
O cenário mudou radicalmente no início de 2007, quando o presidente Lula conheceu o Centro Tecnológico da Marinha e o programa nuclear dos militares. Lula prometeu aplicar R$ 130 milhões por ano no desenvolvimento de um reator atômico. Faltava à Marinha a capacidade de desenvolver projetos de submarinos nucleares capazes de abrigar o futuro motor atômico.
Diante do novo quadro, a Força passou a buscar "parcerias estratégicas" com detentores dessa tecnologia e dispostos a transferi-la. A Alemanha não constrói submarinos de propulsão nuclear e a HDW, fabricante do IKL 214, acabou perdendo um contrato praticamente certo.
Dos três países com quem inicialmente havia feito contatos, a Marinha diz só ter encontrado disposição dos franceses em transferir tecnologia. "Depois de longo e acurado processo de escolha, a França foi o país selecionado, porquanto seu único concorrente, a Rússia, não desejava transferir tecnologia, mas, tão-somente, vender submarinos, o que não correspondia aos interesses do Brasil", afirma uma nota recente da Marinha. A promessa da Força é ter o protótipo do reator pronto em 2014 e o submarino nuclear, em 2021. Como exige espaço maior, as obras para a construção do casco não poderiam ser realizadas no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, no centro da cidade, e decidiu-se então por erguer um novo estaleiro e uma nova base naval para abrigá-lo no futuro.
A reportagem enviou ontem perguntas à Marinha sobre o retrospecto comercial dos Scorpène e sua assessoria de comunicação informou não haver tempo hábil para o envio das respostas até o fechamento da edição. O diretor da DCNS responsável pelo Brasil, Éric Bertholot, foi localizado ontem à tarde. Ele concordou em dar entrevista à noite, mas não atendeu mais as ligações.
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