Apenas os EUA têm mais tropas mobilizadas em todo o mundo do que a instituição
GIDEON RACHMAN
Colunista do "Financial Times".
Ronald Reagan certa vez pediu a Mikhail Gorbachev que imaginasse surgir "repentinamente uma ameaça a este mundo proveniente de alguma outra espécie de outro planeta". O falecido presidente americano especulava que isso nos "faria esquecer todas as pequenas diferenças locais que temos entre nossos países".
Estamos ainda esperando a invasão marciana que colocará à prova a teoria de Reagan. Mas, na ausência dos homenzinhos verdes, coube aos piratas somalis personificar o inimigo comum capaz de unir os países do mundo. Uma extraordinária flotilha internacional está patrulhando a costa da Somália num esforço para fazer cessar os ataques aos 30 mil navios que atravessam o golfo de Aden anualmente. Belonaves de países tão diversos e mutuamente desconfiados quanto EUA, China, Irã e Japão estão policiando essa crucial via marítima internacional. A maior de três forças-tarefas internacionais é dirigida pela União Europeia (UE) e comandada por um almirante britânico baseado em um centro de operações nas vizinhanças do norte de Londres. Todas as diferentes marinhas, com exceção da iraniana, coordenam suas operações em reuniões regulares.
Mas, embora haja efetivamente algo semelhante a uma "comunidade internacional" em ação no mar ao largo da Somália, o quadro é bem menos impactante em terra. Na capital, Mogadishu, uma força de 4,6 mil homens da União Africana está em dificuldades para contrapor-se aos insurgentes islamitas que recentemente chegaram até meio quilômetro do palácio presidencial.
As operações tanto terrestres como marítimas na Somália evidenciam a necessidade de rever rapidamente a atuação das forças internacionais de manutenção da paz. A operação naval impressiona, mas é também desarticulada. A operação em terra é simplesmente inadequada.
Nas duas operações na Somália, faria evidente sentido dar à ONU um papel coordenador e mobilizador maior dos esforços de manutenção da paz. Em mais longo prazo, uma crescente demanda por forças internacionais para manutenção da paz significa ter chegado finalmente o momento de aceitar a realidade e atribuir à ONU uma capacidade militar ativa permanente.
A ideia de um "Exército das Nações Unidas" continua profundamente controvertida. Críticos podem citar alguns horrendos fracassos em ações de manutenção da paz. Na década de 90, forças da ONU não impediram o genocídio em Ruanda e o massacre em Srebrenica. Mais recentemente, tropas sob a bandeira da ONU envolveram-se em crime sexuais no Congo. Assim como muitas burocracias internacionais, a ONU não é, frequentemente, algo agradável de ver quando olhada de perto.
Muitos países têm também compreensíveis receios em relação a uma força militar multinacional permanente intervindo em todo o mundo. Os americanos não colocam suas forças sob comandantes da ONU. Frequentemente cabe a países mais pobres, como Bangladesh, Paquistão e Indonésia, fornecer a maioria dos soldados para operações da ONU. Mas eles temem que o estabelecimento de uma força permanente implique perderem a capacidade de escolher em que missões devem participar.
Mas a demanda por forças de manutenção da paz da ONU continua crescendo. Há atualmente 116 mil soldados em missões de manutenção da paz da ONU, mobilizados mundialmente, em 17 diferentes operações - um contingente oito vezes maior do que em 1999. Apenas os EUA têm mais tropas do que a ONU mobilizadas em todo o mundo.
Ao lado dos fartamente divulgados fracassos de ações de manutenção da paz da ONU, têm havido muitos êxitos silenciosos - no Camboja, na Namíbia, em Serra Leoa e no Nepal, para citar alguns.
Para os excessivamente sobrecarregados exércitos ocidentais, forças internacionais de manutenção da paz frequentemente parecem uma opção barata e atraente. Susan Rice, a embaixadora dos EUA na ONU, diz que para cada dólar que os EUA gastam numa mobilização militar equivalente, a ONU gasta 12 centavos de dólar. A bandeira da ONU também cria uma legitimidade mundial que uma operação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou da União Europeia (UE) não podem mobilizar.
Mas toda vez que o Conselho de Segurança aprova a mobilização de forças de manutenção da paz, a ONU precisa recomeçar a apelar - da estaca zero - por tropas e equipamentos. Por isso, geralmente leva entre três meses e um ano para alocar uma força da ONU - um processo excessivamente lento num caso emergencial como o da Somália.
Tudo isso ressalta a necessidade de criar uma força adequada da ONU em alerta permanente.
Tal força não precisa ser, necessariamente, um exército convencional, com seus próprios quartéis e tropas. Seria melhor fazer com que os países dessem à ONU prioridade de alocação de um determinado contingente de suas tropas por um período específico de tempo. Aspectos de soberania nacional poderiam ser respeitados, ao permitir que os países pudessem optar por eximir-se de participar em determinadas missões, caso essas inflamassem sensibilidades nacionais.
A criação de uma capacitação permanente da ONU implica que a Organização possa intervir muito mais rapidamente. Isso também tornaria muito mais provável que as forças alocadas à ONU obedecessem às mesmas doutrinas militares. Tal iniciativa também contribuiria para equacionar a crônica escassez de equipamentos. No cenário atual, as forças da ONU frequentemente carecem do material de que necessitam. A operação de manutenção da paz em Darfur, por exemplo, é tolhida por sua escassez de helicópteros.
Uma escassez de helicópteros é particularmente irônica, tendo em vista o rumor, nas franjas mais paranoicas da direita americana sobre "helicópteros negros" da ONU pairando "com intenções" sobre o solo americano. Até mesmo conservadores americanos perfeitamente sãos consideram com horror a ideia de uma força permanente da ONU. Eles poderiam ficar surpresos, e esclarecidos, ao tomar conhecimento de que o herói do movimento conservador, Ronald Reagan, certa vez falou de modo aprovador sobre a ideia de "uma força permanente da ONU - um exército humanitário – plenamente equipado e disposto a abrir, à força, refúgios para populações civis". E, naturalmente, para enfrentar os marcianos, quando finalmente decidirem nos invadir.