Vizinhos veem “agenda oculta” em saída do Equador para Colômbia
Ruth Costas – O Estado de São Paulo
Por alguns anos, países do "eixo bolivariano" toleraram a presença de agentes dos EUA em seu território para não serem acusados de leniência em relação a um inimigo comum - o narcotráfico. Mas, segundo especialistas, era questão de tempo até que houvesse um rearranjo para adequar a distribuição das forças dos EUA à divisão política da região. Esse processo culminou na semana passada com o anúncio da saída dos EUA da base de Manta, no Equador, e da possível transferência das atividades para bases na Colômbia.
A notícia levou o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que em 2005 expulsou do país a agência antidrogas dos EUA (DEA), a anunciar a "revisão das relações" com Bogotá. "Quem aceitar uma base americana em seu país é um traidor da pátria", fez coro o líder boliviano, Evo Morales, que no ano passado também suspendeu a cooperação com a DEA. Até fontes brasileiras manifestaram preocupação com a maior proximidade de tropas americanas da Amazônia.
O acordo com a Colômbia prevê o uso das bases aéreas de Malambo, Palanquero e Apiay durante dez anos. Se aprovado, o número de militares dos EUA no país pode subir de 250 para 800. O total investido seria de US$ 5 bilhões, pouco mais do que já foi consumido pelo Plano Colômbia desde 2002.
"Ainda é cedo para dizer se o governo de Barack Obama fará mudanças na política de segurança para a região, mas ele parece estar seguindo o caminho dos antecessores'', disse ao Estado Joy Olson, diretora da ONG Washington Office on Latin America (WOLA).
Para o cientista político Luis Fernando Ayerbe, professor de Relações Internacionais na Unesp e Unicamp, há ao menos a mudança no discurso. "No governo de George W. Bush, o centro da política americana era a guerra ao tráfico, mas fazia-se uma correlação com o terrorismo. Hoje o discurso associa o problema à criminalidade", diz.
A presença militar americana na região começou a sofrer mudanças nos anos 90, com o fim da Guerra Fria. Até então, os EUA sempre tiveram um inimigo claro - primeiro o intervencionismo europeu, logo a influência da Alemanha nazista e, por fim, o comunismo. Aos poucos a guerra às drogas tornou-se o centro da ação americana.
Em 1999, os EUA devolveram a última das dezenas de instalações militares que mantinham no Panamá. Dois anos antes, a sede do Comando Sul, que coordena os militares na região, havia sido transferida para Miami. Segundo Margaret Daly Hayes, vice-presidente da consultoria de segurança Evidence Based Research, desde então passou-se a dar mais ênfase à cooperação que a ações unilaterais. Em vez das tradicionais bases, ganhou força o modelo de Postos de Operação Avançados (FOL), cujo nome mais tarde foi cuidadosamente amenizado para Centros de Segurança Cooperativa.
Trata-se de uma série de missões menores, sem capacidade para lançar grandes ofensivas.
"Desde a saída do Panamá não vemos uma grande concentração de tropas dos EUA na região", diz Gabriel Marcella, ex-conselheiro do Comando Sul. Até o vocabulário mudou: "assessores" viraram "equipe de apoio" e "ações civis", "ações civis humanitárias".
O novo discurso, porém, não convenceu muitos líderes de esquerda, que acusam os americanos de ter uma agenda oculta e citam questões históricas, que começam com a invasão do México, no século 19, e o ensino de técnicas de tortura para militares de ditaduras na região durante a Guerra Fria.
"Além disso, muitos líderes antiamericanos precisam criar uma ?ameaça constante? para legitimar sua política externa e fortalecer-se internamente", acusa Marcella.
A desconfiança é mútua. Para os EUA, o fortalecimento do discurso antiamericano, a recente corrida armamentista na região e a aproximação de Chávez com Irã, China e Rússia também tornaram-se fontes constantes de preocupação.
"É difícil negar que não haja outros interesses nas missões americanas", diz Joy. "Os militares dos EUA querem estar preparados para qualquer eventualidade. Esses programas de treinamento e ajuda humanitária também são uma forma de promover o engajamento."
Os EUA apontam o aumento do tráfico em território venezuelano como um dos problemas causados pela falta de cooperação. Segundo relatório da ONU, pela Venezuela já passam 40% da cocaína que chega à Europa. Por outro lado, apesar de todos os investimentos de Washington, a Colômbia ainda produz mais de 80% da cocaína consumida pelos americanos.
A esperança do governo colombiano é que o novo acordo traga resultados mais significativos. O risco, segundo analistas, é que o país fique mais isolado na região. Ser amigo dos EUA pode ser tão complicado quanto ser inimigo. É em parte por isso que, apesar de todos os recursos que os EUA têm a oferecer, países como o Brasil preferem uma distância segura.