EUA, com apoio de Paris, esforçam-se para estender redução de arsenais atômicos para além de Washington e Moscou
Andrei Netto, MARSELHA – O Estado de São Paulo
A luta pelo desarmamento e pela não-proliferação de armas nucleares ganhou um novo impulso nesta semana na Europa. Em dois grande eventos globais - a reunião bilateral com a Rússia e Cúpula do G-8, em Áquila, na Itália -, o presidente americano, Barack Obama, reacendeu as esperanças de um mundo mais seguro ao defender, com apoio da França e da Grã-Bretanha, a redução de arsenais e a moratória na produção de novos artefatos pelo Irã e pela Coreia do Norte.
A ofensiva contra as bombas atômicas teve início em 5 de abril, em Praga, quando Obama fez um discurso por "um mundo sem armas nucleares". Se essa proposição soa utópica, as propostas de desarmamento são concretas e vieram às mesas nesta semana. Na segunda-feira, Obama e o presidente russo, Dmitri Medvedev, assinaram um acordo fixando metas de redução de arsenais de mísseis e do total de ogivas nucleares, que deve se estabilizar entre 1.500 e 1.670 para cada país nos próximos sete anos.
Na quinta-feira, na Itália, não houve acordos assinados, mas um consenso entre os líderes dos sete países mais ricos do mundo - EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália -, mais a Rússia: a condenação unânime dos testes nucleares da Coreia do Norte e do programa nuclear do Irã.
Os movimentos norte-americanos têm um objetivo, na visão de Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris. "Washington quer evitar que o Irã possa contar com o eventual apoio russo. Espera-se que Moscou estabeleça limites a Teerã e ao governo (do presidente iraniano, Mahmoud) Ahmadinejad daqui para frente."
A estratégia dos EUA é bem recebida pela França e pela Grã-Bretanha. O governo francês adota o discurso da transparência - é o único país a divulgar as ogivas de que dispõe - e reciprocidade de suas ações. Em 2008, o presidente Nicolas Sarkozy anunciou a redução de um terço do número de armas nucleares, reduzindo o arsenal a 300 artefatos. Além disso, o Comissariado de Energia Atômica segue um programa inédito de desmantelamento das usinas de produção de combustíveis nucleares (mais informações nesta página).
"Tomamos medidas unilaterais importantes e esperamos ser seguidos no exemplo. Não queremos apenas discursos, mas ações concretas", disse ao Estado Martins Briens, subdiretor de Desarmamento e de Não-Proliferação de Armas Nucleares do governo francês.
Na sexta-feira, o premiê britânico, Gordon Brown, anunciou estar disposto a reduzir seu arsenal, condicionado a um "acordo coletivo". "Precisamos de uma ação coletiva das potências nucleares para dizer que estamos prontos para reduzir as armas", disse. "Mas precisamos também da garantia de que outros países não vão se engajar na proliferação." Os "outros países" seriam Irã e Coreia do Norte e, em menor escala, Índia e Paquistão.
O consenso alcançado no G-8 é o de que as potências nucleares só poderão cobrar o compromisso da não-proliferação se derem o exemplo. "Uma mensagem forte sobre a não-proliferação está sendo enviada pelas grandes potências, que não podem mais ser acusadas de dizer ?Faça o que eu digo, não o que eu faço?", disse Corentin Brustlein, especialista em Defesa do Instituto Francês de Relações Internacionais. "O discurso visa a impedir que a Coreia e o Irã cheguem às armas nucleares."
IMPORTÂNCIA BRASILEIRA
Nessa corrida antiarmamentista, o Brasil tem um papel a desempenhar, entende o governo dos EUA. "Por causa da força e da profundidade das relações comerciais entre os dois países, o Brasil pode ter um papel ao reiterar que o Irã tem responsabilidades com a comunidade internacional no que se refere ao programa nuclear", afirmou Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.
A importância estratégica do Brasil - a única nação comprometida, em sua Carta, a usar a energia nuclear para fins pacíficos - pode levar o país a obter um assento em um mais importante fórum mundial, em 2010. A convite da Casa Branca, entre 25 e 30 países serão convidados a participar da Cúpula sobre a Segurança Nuclear e a Luta contra o Tráfico de Material Nuclear. A dica foi dada por Gibbs: "Obviamente, o presidente acredita que o Brasil pode ser um parceiro estratégico íntimo dos EUA em muitos temas."