Destituição de cúpula militar gera mal-estar nas Forças Armadas e entre aliados de Lugo
ASSUNÇÃO. Em poucos dias, o presidente Fernando Lugo conseguiu ficar sob o fogo cruzado de aliados, oposição e mesmo das Forças Armadas - tudo ao mesmo tempo. A destituição dos comandantes do Exército, da Marinha e do Corpo de Engenharia está gerando mal-estar entre os militares paraguaios e críticas de partidos da coalizão de governo. Sob a condição do anonimato, militares acusam o presidente de ter deixado cair sobre seus comandados toda a responsabilidade pelo uso de um quartel para um congresso de esquerda, embora - segundo eles - Lugo estivesse a par do encontro.
Lugo destituiu na quarta-feira o general Alfredo Machuca Doldán, o contra-almirante Rubén Carmelo Valdez e o coronel Felipe Santiago Cañete, chefe do Comando de Engenharia do Exército. A decisão veio após a polêmica despertada pela realização do II Acampamento Latino-Americano para Mudanças, que reuniu 1.500 jovens de países da América do Sul, no início do mês, na sede do Comando de Engenharia. A Constituição do país impede as Forças Armadas de se envolverem em atividades políticas, e o evento gerou uma rajada de críticas contra o governo.
Era tudo o que não precisava o presidente, um ex-bispo católico acossado por denúncias de paternidade e por pressão dos paraguaios que querem ver implementadas mais rapidamente as mudanças prometidas em campanha.
A oposição criticou especialmente o uso de bandeiras de partidos políticos e fotos de Che Guevara, Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales no encontro, em Tacumbú. E ícones socialistas e comunistas foram colocados na frente do quartel. Para militares ouvidos pelo "ABC", o presidente e comandante em chefe lavou as mãos" e deixou a responsabilidade recair sobre subalternos.
Machuca foi acusado de ter autorizado o evento, embora Valdez, que exercia o comando interino das Forças Armadas, tenha declarado que o congresso fora realizado "por ordem do presidente". Lugo, no entanto, nega que soubesse do evento.
Três militares de alta patente consultados pelo jornal "ABC" acham difícil que o evento ocorresse sem o conhecimento do presidente. Até porque um dos organizadores seria o líder do P-Mas (partido da coalizão de governo) e ministro de Emergências, Camilo Soares, uma figura próxima a Lugo.
O comandante das Forças Militares, Cíbar Benítez, procurou distanciar Lugo do episódio e assegurou que foi a cúpula militar que autorizou o uso do prédio. Benítez, no entanto, admitiu que o presidente sabia do tema do encontro, e um boletim das Forças Armadas do dia 8 afirmava que Lugo havia dado ordens para a realização do evento.
Para a oposição, as destituições tiveram como objetivo preservar a imagem de Lugo. Já o expresidente da Corte Suprema Militar, Carlos Liseras, tentou minimizar a polêmica e lembrou que a ordem para uso do prédio fora assinada por Machuca e Valdez.
- Não se percebe mal-estar (nas Forças Armadas). O que pode haver é um certo desconforto sobre como o tema foi tratado - disse Liseras.
Se o evento gerou queixas da oposição, a destituição dos militares foi criticada por aliados de Lugo, um socialista que acabou com décadas de governo conservador.
Os partidos organizadores - P-Mas, Tekojoja e Partido Comunista Paraguaio - afirmam que não se tratou de um evento político partidário, mas de um encontro para debater a realidade nacional. Rocío Casco, do P-Mas, acusou a direita de tentar "criminalizar e estigmatizar setores críticos da juventude" e pediu que os jovens se mantivessem firmes. As legendas de esquerda se solidarizaram com os militares destituídos.
- Se esta foi a causa (da destituição), é um erro - criticou Sixto Pereira, vice-presidente do Senado e membro do Tekojoja, da coalizão de governo.
Najib Amado, do Partido Comunista, afirmou que o ministro Soares participou do encontro como convidado, assim como a ministra da Juventude, Karina Rodríguez - cujas cabeças estão sendo pedidas pela oposição.
- Parece-nos correto que as Forças Armadas abram suas portas - declarou Amado.
A controvérsia aumentou ainda mais com a notícia de que a Central Hidrelétrica de Yacyretá forneceu US$20 mil para a realização do congresso. Diante da polêmica, seu diretor, Carlos Cardozo, teria devolvido dinheiro do próprio bolso.
Essa foi a terceira mudança na cúpula militar desde que Lugo assumiu a Presidência, há nove meses. O general Juan Oscar Velázquez foi designado o novo comandante do Exército; o contraalmirante Claudelino Recalde Alfonso, da Marinha; e o coronel Roberto Miguel Bareiro, de Engenharia.