Diplomatas buscam consenso para punir o regime de Pyongyang com sanções
Rodrigo Craveiro
“Watchcon II começou a fazer efeito às 7h15 (de ontem). Ativos adicionais de inteligência serão mobilizados, enquanto operações de reconhecimento sobre a Coreia do Norte se intensificarão.” A senha do aumento de alerta militar da fase 3 para a 2 — o segundo nível mais alto na escala que vai de 5 a 1 — foi dada por Won Tae-jae, porta-voz do Ministério da Defesa sul-coreano, e também vale para as forças norte-americanas estacionadas na Península Coreana. Won não forneceu detalhes sobre o real significado dessa medida, tomada depois que o regime comunista de Pyongyang decidiu abandonar o armistício assinado com a Coreia do Sul em 1953, que suspendeu a Guerra da Coreia. O ditador Kim Jong-il também havia alertado, na quarta-feira, que não poderia garantir a segurança de barcos norteamericanos e sul-coreanos ao longo da fronteira marítima.
O Comando das Nações Unidas na Coreia do Sul, liderado pelos EUA, rejeitou a declaração de Pyongyang de não comprometimento com o cessar-fogo na região. “O armistício permanece em vigor e está amarrado a todos os signatários, incluindo a Coreia do Norte”, informou nota emitida pelo organismo, de acordo com a agência de notícias sul-coreana Yonhap. No plano diplomático, fontes ligadas ao Conselho de Segurança da ONU admitiram à agência de notícias espanhola EFE que Estados Unidos, Rússia, França, China e Reino Unido — os cinco membros permanentes com poder de veto — aceitariam punir o regime de Kim. A própria Casa Branca considerou “muito úteis” os esforços empregados por Pequim em suas críticas à Coreia do Norte. “As posições chinesas foram extremamente úteis nas conversações”, afirmou o porta-voz Robert Gibbs.
“É importante que a Coreia do Sul e os EUA não façam nada no campo militar que possa ser mal-interpretado pela Coreia do Norte ou usado como pretexto para um ataque”, afirmou ao Correio o dinamarquês Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação dos Cientistas dos Estados Unidos, com sede em Washington. Ele considera ser impossível prever as intenções de Kim. “Não acho que a Coreia do Norte atacará, pois haveria um banho de sangue. A proximidade de centenas de milhares de soldados com artilharia e mísseis em ambos os lados da fronteira criaria terríveis perdas civis”, opinou. “Um ataque militar seria o fim da Coreia do Norte.”
Para o historiador chinês Yong Chen, da Universidade da Califórnia-Irvine, o regime nortecoreano vai sucumbir em um futuro próximo. “Os fundamentos políticos e ideológicos estão falindo, e o governo dirige uma economia incapaz de alimentar a população. Nesse sentido, o teste nuclear se transforma na criação de uma ilusão psicológica de grandeza”, admitiu. Chen acha pouco provável que Pyongyang inicie uma guerra. “A China e a Rússia se opõem a qualquer agressão. Sem o apoio de Pequim, Pyongyang não poderia sustentar qualquer atividade militar por mais que poucos dias”, concluiu.
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Ditadura “feudal”
Viviane Vaz
O presidente do Comitê para Democratização da Coreia do Norte, Hwang Jang-yop, foi professor universitário de Kim Jong-il e hoje é o maior crítico do regime do ditador. Exilado na Coreia do Sul desde 1997, Hwang acusa Jong-il de “construir o feudalismo, em vez do socialismo”, uma vez que todas as manobras do ditador servem para manter a própria família no poder. “Sanções não servem para nada.
Nós devemos deixá-los para lá e ignorá-los mesmo que conduzam 10 testes”, avaliou ontem em um seminário político realizado na capital sul-coreana, Seul. “Kim Jong-il sabe muito bem que usar armas nucleares seria sua perdição, então ele nunca o fará”, diz.
Para Hwang, o segundo teste realizado tinha como objetivo ameaçar os Estados Unidos para obrigá-los a negociar diretamente com a Coreia do Norte e assim aumentar o prestígio de Kim Jong-il.
Um analista sul-coreano consultado pelo Correio concorda que os últimos atos do ditador servem sobretudo para o público interno que externo. “Kim fracassou no âmbito socioeconômico, resta-lhe agora só o poder militar como demonstração de força.” No último relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o jurista Vitit Muntarbhorn definiu a situação na Coreia do Norte como “terrível e desesperadora”, um cenário de fome, tortura e espionagem generalizada, além de mensagens doutrinárias por altofalantes e nas escolas.
Negociação
Isolado na região, Kim Jong-il gostaria de ver os 28.500 soldados americanos fora da Coreia do Sul e insiste em uma negociação a duas partes, só com os EUA. A diplomacia sul-coreana, por sua vez, apoia a negociação em seis partes, com a participação dos vizinhos diretos – Rússia e China – e os mais distantes, Japão e EUA.
O governo de Seul considera que os testes nucleares do vizinho do norte constituem uma “provocação” e podem levar a uma corrida armamentista. Apesar de descartarem que Kim aperte o botão nuclear, os sul-coreanos se preparam para uma escalada de conflitos no Mar Amarelo. “A melhor e mais correta solução, apesar de ser difícil, seria concentrar-se na mudança de regime na Coreia do Norte”, conclui Hwang.