Colecionadores de material bélico preservam tanques, canhões, jipes, armamentos e equipamentos usados em grandes batalhas. e até medalhas de Adolf Hitler
Renato Alves
Brasilienses guardam armas capazes de derrubar aviões e prédios inteiros. São tanques, canhões, lança-foguetes. Alguns estão apontados para o Lago Paranoá e até o Palácio da Alvorada. Outros, para vias movimentadas e residências. Mas nada representa ameaça à segurança nacional, muito menos aos moradores. O arsenal, em sua grande parte desativado, pertence a colecionadores. Gente pacífica, sem nenhuma atividade militar, mas aficcionada pelas histórias das guerras. Colecionadores que gastam parte dos salários em compra e restauração de material bélico. Compram ainda uniformes, capacetes, medalhas, mapas, tudo que diz respeito a grandes exércitos e batalhas. Parte deles decidiu se organizar para trocar informações em torno do gosto comum. Surgiu assim a Associação de Colecionadores de Veículos Militares e Material Bélico do DF. A entidade é mais conhecida como Velhos Amigos de Guerra (VAG). Fundada em julho de 2003, tem 24 integrantes.
Ao todo, eles conservam 34 veículos militares. Quase todos em condições de rodar. Além disso, alguns colecionam peças específicas. É o caso do presidente da VAG, Ricardo Ferreira, 42 anos. Procurador federal, ele mantém em casa, no Park Way, um jipe, dois caminhões de transporte de tropas e dezenas de rádios militares antigos. “Me especializei em rádios. Tenho ainda uniformes e livros, mas nenhuma arma”, ressalta ele, um pacifista convicto, líder de grupo escoteiro.
Como os demais integrantes da VAG, Ricardo se preocupa com a preservação da memória do Exército brasileiro, em especial a história da Força Expedicionária Brasileira (FEB) nas batalhas da Segunda Guerra Mundial (1940-1945). No momento, por exemplo, eles ajudam a montar um acervo com fotografias antigas de militares brasileiros. “Tudo que encontramos, copiamos e mandamos para um outro grupo de colecionadores do Rio de Janeiro, que organiza e mantém tudo em um museu”, explica.
Herança paterna
Ricardo começou a se interessar pelo militarismo ainda criança. “Meu pai era um funcionário civil da Presidência da República. Eu o acompanhava e via muitos carros militares. Logo comecei a pedir para comprar jipes de brinquedo. Na fase adulta, comprei os meus jipes”, conta o procurador. O filho dele, Juliano, 10 anos, segue o mesmo caminho. Tem uma pequena coleção de jipes e caminhões em miniatura. A filha, Vitória, 7 anos, deu nome a um jipe de verdade do pai.
O advogado e professor universitário Carlos Felipe Alencastro Carvalho, 60, também sofreu influência do pai, um militar do Exército. Carlos estudou em colégio militar e foi cadete da Academia Militar, no Rio de Janeiro. Mas largou a farda para se dedicar ao direito. No entanto, deu enorme orgulho ao pai, que entrou para reserva como general, ao começar a comprar jipes militares. Teve seis. Hoje, exibe um bem conservado e imponente caminhão da brasileira Engesa fabricado em 1976.
A relação de Aloísio Lopes de Souza com o universo militar é ainda mais próxima. O pai lutou como soldado na Segunda Guerra. Do pracinha da FEB, Aloísio ganhou diversas miniaturas de blindados. “Também o meu primeiro jipe, de lata, verde, com a estrela do Exército americano no capô. Foi meu primeiro velotrol”, recorda-se. Há 30 anos, ele começou a montar um jipe norte-americano de verdade, da cor bege, modelo 1942, fabricado para a Segunda Guerra. Em três anos, o veículo estava como um novo.
O jipe de Aloísio, sonho de consumo dele, é uma raridades da VAG. Hoje, aos 57 anos e trabalhando como mecânico, ele cuida também dos xodós de outros colecionadores, como Luciano de Castro, 46. O fiscal ambiental do governo local decidiu comprar jipes e caminhões militares justamente por causa do trabalho. “Como sempre gostei de natureza, tive meu primeiro jipe aos 20 anos. Os meus veículos uso no dia a dia, para trabalhar.” E para viagens por lugares inóspitos, como o Jalapão, no Tocantins.
AUTORIZAÇÃO
Para colecionar veículos militares que carregam armamentos, como os tanques, é preciso ter autorização do Exército. O mesmo vale para itens como granadas e canhões. O acervo do Museu de Armas e História Militar Caramaschi, por exemplo, é autorizado.
A paixão do roqueiro
Os jipes de guerra são uma das paixões de João Barone, o baterista da banda de rock Paralamas do Sucesso. Filho de um ex-combatente da FEB, Barone nunca ouviu do pai as histórias de combate na Segunda Guerra Mundial — após quase ser atingido por bombas lançadas pelos alemães, o pai dele voltou ao Brasil e procurou esquecer o que viu nos campos de batalha.
Barone tem um Willys MB de 1944 e um Ford GP de 1941. É também presidente do Clube dos Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro (CVMARJ), entidade parceira da AVG. Barone já participou de reuniões do grupo brasiliense.
Em 2004, ele e um dos seus jipes estiveram na Normandia, região da França onde as tropas aliadas desembarcaram em 1944 para o combate que daria fim à Segunda Guerra.
Agora, o músico prepara um tour pela Itália. Mês que vem, ele e outros donos de jipes de guerra vão refazer os caminhos dos pracinhas da FEB, no projeto denominado O Caminho dos Heróis!
Um museu militar
A associação Velhos Amigos de Guerra (VAG) tem como presidente de honra o arquiteto Hamilton Caramaschi. Ele morreu em 15 de dezembro de 2007. Foi um dos maiores colecionadores de armas do país e o maior colecionador de material bélico da América Latina. Tanto que deixou de herança o Museu de Armas e História Militar Caramaschi, montado em uma casa de sua propriedade, no Setor de Mansões do Lago Norte. O acervo é composto por raridades que nem o Exército Brasileiro e de outros países protegeu. São jipes, tanques, blindados, baterias antiaérea, caminhões, hospitais móveis.
Nos jardins à margem do Lago Paranoá, há vários tipos de canhões, além de dois carros de combate. Na garagem, estão outros blindados, como um M-2A1 Half Track (de fabricação norteamericana, para reconhecimento e transporte de tropas na Segunda Guerra Mundial), quatro Stuarts (norte-americanos, de 1939), um Sherman M4A4 (norte-americano, lutou com as tropas brasileiras na Itália), além de três veículos militares do leste europeu (um jipe, uma ambulância e um caminhão).
Na garagem há ainda um canhão Krupp alemão, com rodas de madeira, usado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Parados na frente de casa, do lado de fora, estão um trator M-5 (usado pela FEB) e um CCKW (caminhão norte-americano da Segunda Guerra). De todos os veículos, apenas uma picape M-715 e os veículos do leste europeu estão em condições de rodar. Entre eles um jipe UAZ (Uliannov), de 1983, e um caminhão-ambulância IVA/Robust, com seis leitos para terapia intensiva, filtros contra contaminação atômica, química e bacteriológica. Ambos fabricados pela antiga União Soviética (URSS).
Documentos nazistas
Os dois veículos parados em frente à casa, do lado de fora, são alvo de vândalos. Eles já quebraram os vidros do caminhão. Mas alguns itens mais frágeis e de maior valor histórico estão a salvo, longe dos olhares curiosos, restrito a poucos integrantes do VAG, como um dos filhos de Hamilton. São documentos, fardas, condecorações e muito outros itens dos períodos da coroa portuguesa, das grandes guerras e da queda do muro de Berlim. Tudo protegido por alarmes, vigilantes e cachorros bravos.
Entre as preciosidades estão medalhas dadas por Adolf Hitler a alguns dos seus subordinados. Há também uma coletânea de charges sobre o líder nazista, que pertenceu ao próprio. Hamilton Caramaschi conseguiu resgatar 90kg de documentos da Chancelaria Alemã, onde ficava o bunker em que Hilter passou seus últimos dias. Em 30 de abril de 1945, Hitler e a mulher Eva Braun tomaram comprimidos de cianeto. Eva teve morte imediata. Ele deu um tiro na cabeça após engolir o veneno. Tudo dentro do bunker. Os corpos foram queimados do lado de fora por militares alemães. (RA)
Guerra em paz
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