Filme está sendo publicado por partes, em ‘tempo real’, na internet.
Daniel Buarque
em São Paulo
Enviar mais tropas para uma zona de conflito caótica pode ter funcionado no caso do Iraque, mas vai fracassar no Afeganistão, segundo o ativista político e documentarista Robert Greenwald. Diferentemente do caso iraquiano, em que se saiu de uma quase guerra civil para uma situação de relativa tranqüilidade depois que mais soldados chegaram ao país há dois anos, é preciso repensar a situação afegã para buscar uma solução que vá além do militarismo, diz.
Greenwald estava em Cabul, capital afegã, realizando a terceira parte do seu ‘documentário em tempo real’, “Rethink Afghanistan” (Repensar o Afeganistão) no dia em que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou o novo plano do país para lidar com o conflito no país.
“As pessoas demonstram muita preocupação com o fato de que os EUA continuam adotando apenas políticas militares em relação ao Afeganistão. O problema vivido pelo país não é um problema militar, é político, ideológico, e as pessoas querem soluções que vão além do envio de mais soldados”, disse, em entrevista ao G1, por telefone.
Segundo ele, os afegãos estão felizes com a eleição de Obama para a Presidência, estão esperançosos, mas querem que os Estados Unidos ajudem com professores, hospitais, e não com mais pessoas armadas.
Ele se diz otimista, entretanto. “Obama foi eleito com um discurso de mudança. Já percebemos no Vietnã, no Iraque e mesmo no Afeganistão que buscar soluções apenas militares em conflitos assim não resolve nada, e não é uma mudança real como poderíamos esperar do presidente. Acho que ele é inteligente e está sendo bem assessorado, então acredito que com o tempo veremos a mudança que esperamos dele.”
Tempo real
O projeto do novo documentário de Greenwald se propõe revolucionário para este tipo de cinema-realidade. Em vez de realizar toda a pesquisa, as entrevistas e depois editar tudo em um único filme, ele resolveu fazer o trabalho por partes, e ir publicando cada capítulo à medida em que ele vai ficando pronto, em "tempo real".
“O documentário é feito em tempo real porque não podemos nos dar ao luxo de esperar alguns meses para levantar esta discussão. O documentarista em mim queria esperar para que o filme ficasse completo, mas o meu lado ativista sabia que precisávamos divulgá-lo logo. Por isso desenvolvi esta nova forma de trabalho, publicando parte por parte do filme, aumentando o impacto da discussão.”
No site do filme, é possível assistir às duas primeiras partes de “Rethink Afghanistan”, ambas com pouco mais de dez minutos. Na primeira, Greenwald entrevistas pesquisadores e analistas dos dois países envolvidos no conflito e mostra que, do ponto de vista histórico, o Afeganistão é “campeão mundial de resistência” a invasões internacionais, e não adianta aumentar o número de soldados no país. A segunda parte foca no vizinho Paquistão, apontado por alguns entrevistados como o verdadeiro foco do problema do radicalismo e do terrorismo.
A terceira parte vai estar no ar em duas semanas. Era ela que ele filmava até o último fim de semana em Cabul. O tema deste capítulo vai ser o custo da guerra até agora, e para onde ela vai continuar.
Segundo Greenwald, visitar o Afeganistão, como fez na semana passada, deixa uma sensação muito clara de que milhares de pessoas vivem em perigo, em meio a uma zona de guerra. “A situação em Cabul é definitivamente perigosa. Há pessoas armadas com fuzis em toda esquina, há barricadas montadas por toda a cidade, além de militres passando com tanques pelo meio da cidade. Percebe-se claramente que se está numa zona de guerra.”
Debate
Apesar de discordar abertamente do novo plano divulgado por Obama, Greenwald evita dar sua opinião sobre como resolver os problemas do Afeganistão, e diz que seu objetivo é apenas o de levantar a discussão.
“Não acho que esteja tudo errado, mas acho que há questões muito sérias a serem respondidas em relação ao país, e acho que é preciso refletir sobre estas perguntas. Isso pode nos levar a uma discussão complicada, de como podemos apoiar o país, e levá-lo a uma situação de segurança real. Não quero responder a essas perguntas. Meu papel é levantar as questões e incentivar os debates, para que os verdadeiros especialistas possam discutir e chegar a uma conclusão.”
Segundo ele, a ideia de enviar 4.000 soldados para treinar o exército afegão é interessante, mas não deve surtir efeitos. “Claro que qualquer país prefere ter seus próprios soldados a tropas internacionais. O problema é que o Exército afegão já vem sendo treinado por norte-americanos há muito tempo, sem nenhum resultado satisfatório até agora.”