O coronel James A. Brandon pilotava Black Hawks quando Moscou era considerada uma inimiga mortal dos Estados Unidos e ele passou anos no exército estudando aeronaves inimigas. Desta forma, Brandon acha meio bizarro o fato de estar pilotando um velho helicóptero russo MI-17, um legado dos invasores soviéticos aqui, no Hindu Kush do Afeganistão.
“Se na década de 1980 alguém me dissesse que eu estaria pilotando um MI-17 vinte anos mais tarde, eu chamaria essa pessoa de maluca“, disse Brandon na semana passada.
Mas, neste caso, em que se vai à guerra não só com as forças armadas que se tem, mas com as forças armadas que o seu inimigo tinha no passado, Brandon é um dos líderes de uma acidentada iniciativa norte-americana para criar uma força aérea afegã a partir da estaca zero. Para fazer isso da forma mais rápida e (relativamente) barata possível, os Estados Unidos estão treinando pilotos norte-americanos para operarem helicópteros da antiga União Soviética - Brandon os chama de “caminhões voadores” - de forma que os pilotos norte-americanos possam, por sua vez, treinar, ou retreinar, os pilotos afegãos que já trabalharam para os russos, o Taleban ou poderosos chefes tribais.
O programa, que foi projetado para custar ao contribuinte norte-americano US$ 5 bilhões até 2016, tem como objetivo conferir ao Afeganistão a capacidade de defender-se a partir do céu, e permitir que um dia os norte-americanos saiam do país. Mas, por ora, a iniciativa é um reflexo de todos os problemas encontrados ao se tentar fazer com que as forças afegãs atuem por conta própria. “Temos um longo caminho pela frente”, diz o brigadeiro Walter D. Givhan, da Força Aérea dos Estados Unidos, o comandante geral do programa, que supervisiona oito pilotos-instrutores norte-americanos e as 33 aeronaves da Força Aérea Afegã, que nem sempre estão em condições de serem operadas.
Um dos problemas é que muitos dos cerca de 80 pilotos afegãos que estão sendo treinados não falam inglês, o que é um grande obstáculo quando os instrutores norte-americanos gritam ordens para eles nos helicópteros que pairam sobre Cabul. Na apertada cabine do MI-17 não há espaço para um intérprete, e, ainda que houvesse, as coisas geralmente acontecem muito rápido.
“Não temos tempo para pedir a um tradutor que diga, ‘Não se choque contra aquela montanha’”, diz o tenente-coronel Todd Lancaster, comandante do esquadrão de helicópteros do 438º Grupo Expedicionário Aéreo, a unidade norte-americana que está construindo aquilo que é oficialmente denominado Corpo Aéreo do Exército Nacional Afegão.
Um voo de treinamento na semana passada para praticar “passagens com armas” de helicóptero no céu frio e de uma claridade brilhante perto de Cabul foi um exemplo dos problemas enfrentados. O tenente-coronel Joshua Jones, um piloto de Fort Rucker, no Estado do Alabama, instruía Bakhtyar Bakhtullah, um coronel da força aérea afegã, em manobras de revirar o estômago, de forma que o operador de armamentos pudesse praticar disparos de metralhadora através das portas dos helicópteros. O alvo era um veículo blindado abandonado no vale lá embaixo.
Mas quando Bakhtullah, um dos melhores pilotos afegãos, deu uma guinada súbita para a esquerda, a sua manobra foi instável - moderadamente apavorante poderia ser uma forma melhor de defini-la - o que foi o resultado, conforme Jones disse mais tarde, do uso exagerado do pedal do rotor da cauda, e da pouca utilização do manche de controle do helicóptero.
Jones, que vinha usando principalmente sinais com a mão para comunicar-se com Bakhtullah na cabine, decidiu que tentaria explicar o procedimento mais tarde com um intérprete em terra. “Não deu para consertar esse erro hoje”, afirmou ele. “A questão era muito técnica”.
No passado os norte-americanos já aprenderam a pilotar helicópteros MI-17, principalmente para exercícios militares com o objetivo de ensiná-los como fazer frente a aeronaves inimigas (o MI-17 é utilizado por diversos países em todo o mundo, incluindo o Irã e a Coreia do Norte). O programa afegão se baseia em uma tentativa norte-americana anterior de criar a força aérea iraquiana, que também possui alguns MI-17. Mas os helicópteros russos, que compõem a maior parte da frota afegã, têm uma ressonância irônica em um país no qual, nas década de oitenta, os Estados Unidos forneceram a grupos guerrilheiros mísseis Stinger para o abate de aeronaves soviéticas.
Atualmente, os pilotos norte-americanos encontram algum ressentimento por parte de afegãos que pilotam os helicópteros russos há décadas - Bakhtullah é piloto desde 1981 -, e que questionam por que precisam receber instruções de norte-americanos que acabaram de aprender a pilotar esses helicópteros em um curso de quatro semanas em Fort Bliss, no Texas. Os norte-americanos dizem que os afegãos não contam com uma força aérea de verdade desde que os russos partiram há duas décadas, e que eles receberam, desde o princípio, um treinamento impróprio.
Mas Jones diz entender o ponto de vista afegão, e tenta fazer sugestões, e não apresentar exigências. “Nós estamos realmente tentando não aparecer como heróis conquistadores”, afirma ele.
Os pilotos afegãos reclamam também dos salários, que variam de US$ 200 a US$ 300 mensais, e que são pagos pela força aérea afegã. “Ninguém se importa conosco”, queixa-se Ehsan Ehsanullah, um dos melhores pilotos afegãos, após um voo de treinamento na semana passada. Ele diz que ganhava mais dinheiro na década de noventa, quando pilotava para o Taleban.
O maior problema é que as demandas da guerra implicam na redução daquilo que os norte-americanos consideram horas de treinamento vitais. Eles contam que algumas vezes chegam para uma sessão de treinamento agendada e descobrem que o helicóptero precisa ser usado naquele momento para o transporte de tropas ou cargas para Kandahar. No mês passado, um desses voos terminou em desastre, quando um MI-17 pilotado por dois afegãos caiu na província de Herat, matando dois dos 13 afegãos a bordo.
(As regras militares exigem que os pilotos dos Estados Unidos operem os MI-17 se houver norte-americanos a bordo, e os pilotos norte-americanos só podem pilotar os MI-17 que possuem peças certificadas e que passam por manutenção norte-americana. O helicóptero de treinamento de Jones é um MI-17 de segunda mão comprado da República Tcheca para o Afeganistão).
Um fator positivo é o novo quartel general de US$ 183 milhões da força aérea afegã, pago pelos norte-americanos. Ela conta com dois hangares, dormitórios, uma unidade médica e escola de inglês. Em uma instalação próxima são fornecidas aulas de manutenção de helicópteros.
Em uma manhã da semana passada, Robert Luna um civil norte-americano contratado de Fort Bliss, dava uma aula aos afegãos sobre o painel de controle de eletricidade do MI-17. Ele disse que dá aulas sobre o MI-17 aos norte-americanos em Fort Bliss desde 1999. “Sabe como é. Na época a ideia era, ‘Conheça o seu inimigo’”, explica Luna. “Mas agora é, ‘Ensine os seus aliados’”.
Givhan continua otimista em relação ao programa, que no final do ano passado treinou os afegãos para transportar o seu presidente, Hamid Karzai, em helicópteros MI-17 especiais. Antes disso, eram os norte-americanos que transportavam Karzai de helicóptero para toda parte. “O programa é a nossa passagem de saída daqui“, afirma Givhan.