Carlos Lorch
Quando a Força Aérea Sueca foi para a Operação Red Flag, em julho de 2008, seus pilotos voaram, já na primeira surtida, uma missão de combate. Familiarizar-se com o aeródromo e com as condições da área terminal não foi necessário. Afinal, para que perder tempo com coisas secundárias se eles estavam lá para afiar as garras em vôos contra ameaças virtuais. E não para aprender a voar sobre o deserto de Nevada. Mas como conseguiram pular esta etapa tão comum nas operações combinadas quando a prece de qualquer piloto de caça ao chegar numa operação em país estranho é: “Por favor Deus, não deixe eu fazer nenhuma cag... , principalmente diante dos outros pilotos, e especialmente perto do campo!”?
Simples, a Svenska Flygvapnet possui um moderníssimo centro de simulação aonde preparar pilotos para futuras operações fora de sede é o mínimo que é capaz de fazer.
Localizado em Kista, uma área de escritórios ao norte de Estocolmo, o FLSC - Flygvapnets Luftstridssimuleringscentrum ou Centro de Combate Aéreo Simulado é o tipo de organização que separa as forças aéreas futurísticas das meramente convencionais. É lá que são validados importantes conceitos táticos, onde novos equipamentos são examinados e onde a Força realiza treinamentos e avaliações de alto nível. E baixo custo.
Quando a Força Aérea da Suécia se preparava para implantar o caça Gripen em substituição aos três tipos de Saab Viggen que compunham sua primeira linha de defesa (versões de caça, ataque e reconhecimento), os dados que possuía no que diz respeito ao desempenho de armas e sensores que poderiam equipar o novo avião eram os que estavas escritos pelos fabricantes ou em publicações especializadas. E quem conhece o meio sabe que a tentação de as fabricas esticarem esta ou aquela capacidade de seus produtos é, mais vezes do que não, uma tentação difícil de resistir. O Gripen era uma aposta no futuro da primeira linha de defesa da Suécia. Não podia, em hipótese alguma falhar.
Como os computadores da época já permitiam vôos mais altos, os suecos decidiram que seria interessante validar o desempenho dos equipamentos que iriam comprar para seu novo caça através da simulação digital. E assim foi feito. Inicialmente realizaram testes com os envelopes de combate dos mísseis ar-ar que estavam sendo avaliados para a nova aeronave o que resultou na escolha do AIM-120 AMRAAM de fabricação norte-americana. Fez nascer também toda a nova mentalidade do sistema de compras das forças armadas suecas e que eles chamam de aquisições baseadas em simulação. Mas aquele foi apenas o primeiro passo para um centro de avaliação e estudos que hoje é conduzido por mais de 1.000 pessoas em benefício das Forças Armadas Suecas e de alguns países amigos, na maior parte, também operadores do Gripen. O que começou como um estudo para escolher um míssil cresceu e passou a examinar uma grande variedade de temas, como por exemplo, o combate com mísseis ar-ar, o cenário que interpõe muitos vetores x muitos vetores, e a importância da interação do homem num sistema de redes, entre outros. Para se ter uma idéia da importância do centro, basta mencionar que todos os ensaios em vôo do Gripen foram “voados” ali antes de serem repetidos com a aeronave propriamente dita. Hoje, uma miríade de conceitos são avaliados levando-se em conta dados adquiridos das mais diversas formas – ortodoxas ou não – são alimentados nos diversos computadores e simuladores do Centro para desenvolver a maneira através da qual a Suécia irá adquirir, treinar e operar os seus sistemas de armas.
Filosofia
Abrigado num prédio moderno no qual se nota imediatamente a importância com a segurança, o FLSC passa desapercebido para quem passa pela área onde está localizado. Sua alma é uma grande sala de simulação onde diversas estações virtuais são capazes de treinar as mais variadas tarefas militares. Mas mais importante do que as instalações ou os computadores e simuladores, é a filosofia empregada no Centro. O objetivo inicial do FLSC era o de: “Criar e Treinar Guerreiros” e todas as técnicas e táticas críticas à sobrevivência do estado sueco na área militar foram desde então testados, analisados e aferidos no centro. Na área da Guerra Aérea, estas tarefas vão do exame de como treinar missões, ao treinamento de líderes de esquadrilha, à diversos cenários da guerra BVR, ou além do alcance visual, e o aprimoramento de técnicas de apoio aéreo aproximado e daquelas utilizadas pelos controladores aéreos avançados. Mas o Centro não existe somente para treinar militares. Ele é usado principalmente para desenvolver e melhorar as práticas habitualmente desenvolvidas pelas três forças armadas suecas. E a idéia então é deixar cada participante dos programas do centro realizar sua missão simulada à sua maneira. Se falhar, aprenderá com seus próprios erros que o seu conceito não funciona. E juntamente com seus colegas e a equipe do Centro utilizará sua falha para evitar erros que poderiam se tornar recorrentes. Por outro lado, se determinada técnica ou tática não esperada trouxer excelentes resultados, sua validade será analisada minuciosamente para ser ou não implementada na maneira sueca de combater. No FLSC, os instrutores chamam este conceito de “Torne-se o seu próprio professor”. A simulação permite a análise repetida, em total segurança e a baixíssimos custos. Quando tiveram que modificar sua própria doutrina de guerra, que durante décadas foi dedicada à defesa nacional, tendo como ameaça principal o Império Soviético, em prol de uma nova responsabilidade como integrante de coalizões com a OTAN, o que obrigou, por exemplo, as forças armadas a adotar o enlace de dados comum Link 16, ao invés do link sueco, exploraram e difundiram a nova capacidade no FLSC.Outra área na qual o Centro traz enormes resultados é no treinamento de equipes que precisarão operar com perfeição juntos. É o exemplo de tripulações das aeronaves reabastecedoras e os pilotos de caça que receberão combustível deles. Ou dos pilotos de ataque e seus controladores aéreos avançados. Ou controladores de vôo - tanto aqueles baseados no solo como os dos aviões de controle e alarme em vôo – e os pilotos dos caças.
Estas simulações permitem, por exemplo, que os pilotos realizem as tarefas dos controladores ou reabastecedores e vice versa dando a cada um uma valiosa noção das dificuldades e capacidades do outro.Um novo comandante que em breve participará de uma operação combinada na função de Mission Commander de uma enorme força aérea multinacional pode, antes de chegar ao seu teatro de operações, realizar várias simulações com qualquer número de vetores evitando erros in loco e com as plataformas voando.
Mas não é somente no FLSC que existem computadores e simuladores treinando as equipes de combate suecas. Redes de simuladores interligados entre si, operam em grandes operações simuladas. Os suecos explicam que o FLSC é na verdade parte de uma família de simuladores. Unidades aéreas suecas podem combater – ou desenvolver táticas - virtualmente a partir de algumas bases ou escolas. Muito em breve, no entanto, o FLSC estará capacitando cada base a voar contra ou em conjunto com seus colegas de outras bases no cenário virtual.
Os técnicos do FLSC, estimam o custo de uma operação simulada de grande porte em torno de 100.000 Euros contra alguns milhões se a mesma manobra tiver que ser realizada com vetores de verdade. Isto significa que o número de manobras de pequeno, médio e grande porte realizadas na Suécia é muito maior do que o que ocorre na maior parte dos países do mundo. Quando partem para suas manobras reais, grande parte do conhecimento secundário e muito, até, do fundamental já foi adquirido pelos combatentes que irão operar suas máquinas e seus sistemas.
O FLSC também é capaz de realizar operações virtuais com centros de simulação em outros países, como por exemplo, nos Estados Unidos. Trata-se de uma capacidade extremamente útil não só para as forças armadas, mas também para a indústria.
Uma Ferramenta Definitiva
A Suécia não pode errar quando o assunto é sua defesa nacional. Seu antigo inimigo em potencial, a União Soviética possuía forças armadas exponencialmente maiores e estavam postadas a meros 15 ou vinte minutos de vôo do território sueco. Por mais que hoje, as relações entre a Rússia e o Ocidente estejam bem mais cordiais, o futuro pode reservar mudanças. O clima geopolítico do norte europeu pode ter esfriado, mas não deixou de existir. Antigas rivalidades podem ressurgir sem aviso e a qualquer momento.
O preparo da Força Aérea Sueca continua entre os mais avançados do mundo, e por mais que hoje, o enfoque do país a está dirigindo na direção da participação em coalizões internacionais, a defesa nacional continua em pauta e atualizada. Possuir uma ferramenta como o FLSC significa que o país realizará suas aquisições militares somente após examinar minuciosamente no computador cada componente desejado. Significa também, que a utilização de seu novo equipamento só se fará quando técnicas de emprego tiverem sido exaustivamente formuladas no mundo virtual. O treinamento das equipagens que utilizarão, controlarão e apoiarão os equipamentos bélicos adquiridos será intenso no simulador antes de passar para a vida real, o que permitirá muito mais tempo “em ação” e a um custo muito mais reduzido. E finalmente, novos horizontes militares poderão ser estudados e desenvolvidos sem que se tenha que mexer uma única peça do seu arsenal militar.
Hoje, o FSLC atende outros clientes além do FOI, a Agência de Defesa Sueca. Seu orçamento é garantido pelo governo, mas novos projetos precisam ser vendidos para obterem aprovação. Cerca de 30% da capacidade operacional do FLSC é destinado à área civil ou a clientes estrangeiros, a maioria dos quais países operadores do Gripen. O uso de tal ferramenta acelera a entrada em serviço da aeronave comprada à Suécia ajudando também os novos clientes a adequarem seu novo avião de combate às suas realidades operacionais, a maioria das quais diferentes daquelas adotadas pela Força Aérea Sueca. A criação de um centro de simulação como o FLSC no país cliente, também é uma possibilidade com a qual os compradores do Gripen podem contar se desejarem. A principal força do Centro, no entanto não está em seus simuladores e computadores, e sim na filosofia com a qual foi montado e vem revolucionando a maneira sueca de adquirir material de defesa, de montar a sua doutrina e de treinar os seus guerreiros para o futuro.