Num avanço em direitos humanos, lei põe fim a tribunais das Forças Armadas e deixa de punir homossexualismo
Janaína Figueiredo
A partir de hoje, militares argentinos que cometam delitos serão julgados pela Justiça Federal e deverão submeter-se ao Código Penal, como qualquer cidadão. Esta é uma das principais mudanças previstas na Lei 26.394, aprovada pelo Congresso no ano passado e que entra em vigência hoje. Na prática, a iniciativa, que começou a ser discutida no governo Néstor Kirchner, significa o fim do Código de Justiça Militar aprovado em 1951 e a implementação de um novo Sistema de Justiça Militar. A lista de novidades é ampla e inédita: foi erradicada a pena de morte e o homossexualismo deixou de ser considerada uma falta de disciplina grave pelas Forças Armadas, entre outras.
A reforma da Justiça Militar era uma das principais metas da ministra da Defesa, Nilda Garré, exmilitante peronista de esquerda, perseguida pela última ditadura argentina (1976-1983). Para Garré e sua equipe, o processo de democratização das Forças Armadas não podia excluir a modificação do sistema de Justiça Militar.
- Não podemos conceber uma democracia sem que as Forças Armadas estejam submetidas à autoridade civil, eleita pelo voto popular, como estabelece a Carta Democrática Interamericana - declarou a ministra.
De fato, a reforma fora solicitada à Argentina pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos. A iniciativa chegou à OEA quando o capitão do Exército Rodolfo Correa Belisle entrou com uma ação contra o Estado, no "Caso Carrasco". Em 1996, o capitão ficou 90 dias preso, após denunciar o encobrimento do assassinato do soldado Omar Carrasco. Correa Belisle foi condenado pela Justiça Militar e recorreu a tribunais internacionais. Em 2006, o Estado assumiu a responsabilidade pela "violação de múltiplos direitos" de Correa Belisle e se comprometeu a reformar a justiça militar.
Dois anos depois, Garré conseguiu o que muitos pensaram ser impossível num país que até os anos 90 era cenário de revoltas militares.
- Num Estado democrático de direito, os militares são considerados, antes de qualquer coisa, cidadãos. Entendemos que, também, devem ser considerados servidores públicos especializados em defesa nacional - afirmou Garré.
Segundo Defesa, Forças Armadas apoiam decisão
A lei foi aprovada por 154 votos a favor na Câmara e apenas dois contra. No Senado, a lei foi aprovada por unanimidade.
De acordo com colaboradores de Garré, o novo sistema tem três instrumentos fundamentais: "o julgamento de delitos comuns de acordo com o Código Penal e a ação da Justiça Federal, a criação de um Procedimento Penal Militar em Tempos de Guerra e Outros Conflitos Armados e de um Código de Disciplina das Forças Armadas, em casos de falhas ou erros administrativos.
- Nos últimos dois casos, os militares podem recorrer à justiça civil - explicou ao GLOBO o diretor de Comunicação Social do Ministério de Defesa, Jorge Bernetti.
Em todos os casos, os advogados passam a estar subordinados ao ministro designado pelo Poder Executivo e não mais a uma autoridade militar. Em caso de guerra, explicou Bernetti, "as autoridades com funções jurídicas serão designadas previamente, deverão respeitar as normas processuais e a sentença deverá ser ratificada por autoridades civis, quando a guerra acabar". Para ele, "a reforma conta com um amplo consenso dentro das Forças Armadas, porque foi compreendido que era necessária como parte do processo de modernização da instituição".
O novo sistema representa mais um avanço em direitos humanos. Desde que o casal K chegou ao poder foram adotadas medidas emblemáticas, como a anulação das leis do perdão, aprovadas no governo Raúl Alfonsín. O fim da anistia provocou a abertura de dezenas de processos contra militares envolvidos em crimes da ditadura. Vários acusados foram condenados.
Justiça civil para militares argentinos
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