De uma guerra à outra
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Newton Carlos
Jornalista
Há um mundo de fatos importantes sem muita luminosidade no cotidiano da massa informativa. Talvez um exemplo, pela ausência de reprodução, seja a conversa de um jornalista europeu com um comandante talibã. Pouco fora pescado, até agora, da disposição ou não vontade desses radicais islâmicos de terem contatos “externos”, de se abrirem à imprensa ocidental. Eles lutam para retomar o poder no Afeganistão e dão trabalho às tropas da Otan lideradas pelos Estados Unidos. Um forte sinal foi dado e é visto como um gesto de combatentes que já se julgam em condições de falar alto.
Há não muito tempo o entrevistado contava com 50 milicianos. Tem agora mais de quinhentos. O recrutamento se intensifica e os talibãs se rejuvenescem. Outra geração, com outros alvos, substitui os combatentes que estiveram na linha de frente dos que expulsaram os russos do Afeganistão, com ajuda da CIA. Tomaram o poder, deram abrigo a Bin Laden, perderam o poder e recorrem à insurgência tratando de recuperá-lo. Desta vez os “infiéis” que devem ser empurrados para fora do Afeganistão são os americanos, seus aliados da Otan e sua CIA voltada contra ex-aliados que se mostram com vitalidade surpreendente, tanto que Obama deslocará para o país dos talibãs o eixo da luta contra o terrorismo.
O que se destaca na entrevista é a parte que fala de democracia e eleições. O comandante talibã diz, sem qualquer constrangimento, que um dos alvos da insurgência é impedir que hajam eleições e democracia no Afeganistão. Afirma que o povo afegão não quer saber disso, que eleições e tampouco democracia nunca significaram nada e suprimi-las se constituirá num bem público. Os jovens que aderem aos talibãs representariam, entre outras coisas, movimento nessa direção, de repúdio ao voto. A razão é simples e não é necessário um mergulho profundo para encontrar motivações. O presidente Karzai, em palácio com aval americano, é a cabeça visível de um governo corrupto cuja incidência não ultrapassa os limites de Cabul, a capital afegã.
A economia está arruinada e a produção de ópio é parcela considerável do PIB, segundo a ONU. São conhecidos de todo mundo os parlamentares que transam com o tráfico ou que se envolvem com war lords, os senhores das guerras com o controle brutal de partes do pais e onipresença, de braços dados com Karzai. Obama já indicou que sabe disso e que pretende “consertar” a democracia no Afeganistão, com força militar capaz de evitar que a insurgência faça seu enterro.
Se é que se pode falar em democracia no país cujas montanhas dão esconderijo seguro a Bin Laden. Logo depois da posse de Obama falou-se inclusive da intenção de buscar aliado “mais confiável”. Trocando em miúdos, tirar Karzai de palácio e coroar outro que tenha autoridade e não seja de mãos sujas. A velha CIA faria no Afeganistão o que já fez em tantos outros países, mas parece que o projeto foi abandonado, o golpe seria forte demais na ideia de “reformar” os Estados Unidos.
Ao que parece, o que se quer agora, em Washington, é “consertar” o próprio Karzai e não trocá-lo por outro. Também teria pesado a dificuldade em encontrar alguém com as credencias desejadas pela nova Casa Branca. Nessa área atuará Dennis Ross, encarregado de coordenar a política e a diplomacia na região do Golfo e do Sudoeste da Ásia, sobretudo no que se refere ao Irã. Tarefa gigantesca. São duas guerras, as do Iraque e do Afeganistão, com maior ênfase se deslocando para o Afeganistão, onde Karzai desmoraliza a idéia de democracia como é entendida no Ocidente. O Irã envolve proliferação das armas nucleares e o Paquistão, já de posse delas, pode implodir. E o acesso a fontes de energia, ao petróleo abundante? Ainda não veio formalmente a público, mas certamente virá. O governo do Iraque, que não resistiria uma semana não fossem as tropas americanas, negocia secretamente com as majors.
São as grandes empresas de petróleo dos Estados Unidos e Inglaterra, os dois países que ocuparam o Iraque. Contratos, diz-se, com duração de 90 anos.
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