Encontro no Chile dá início a aliança militar regional sob controle civil
João Paulo Charleaux
Quando o Conselho de Defesa Sul-Americano der início hoje, em Santiago (Chile), à reunião de seus 12 ministros de Defesa, estará impulsionando, na prática, a primeira tentativa de formar uma aliança militar desde o fim da Operação Condor, experiência que uniu principalmente as Forças Armadas da Argentina, do Chile e do Brasil na perseguição a militantes de esquerda nos anos 70.
"A Operação Condor foi uma operação repressiva clandestina. O Conselho é o contrário, uma iniciativa legal dos Ministérios de Defesa que busca, precisamente, um maior controle civil sobre a área militar", disse ao Estado, por telefone, o analista militar chileno, Raúl Sohr.
A agenda do encontro, que termina amanhã, está dividida em quatro áreas: políticas de defesa, operações de paz, indústria bélica e capacitação. Argentina e Chile serão responsáveis por coordenar ações que deem mais "transparência à informação sobre gastos de defesa".
Já a missão de "identificar ameaças que possam afetar a paz regional e mundial" ficou com a Venezuela. O Brasil se destaca nas questões ligadas a operações de paz.
DIREITOS HUMANOS
O encontro também deve refletir os avanços ocorridos nas Forças Armadas desde a redemocratização da América do Sul, a partir do final dos anos 80. Neste período, um dos maiores progressos foi a integração do Direito Internacional dos Conflitos Armados (Dica) na formação militar.
O Dica estabelece as normas a serem respeitadas pelos combatentes, como a proibição da tortura e dos ataques contra civis. Apesar de ter sido criado há quase 150 anos - quando d. Pedro II era o imperador do Brasil -, esse ramo do direito só começou a ser integrado nos manuais militares brasileiros no ano passado, por força de uma portaria normativa do Ministério da Defesa.
No Chile, essa integração começou na década de 90, depois do fim da ditadura que governou o país por 17 anos, deixando um rastro de 2.279 mortos e 1.102 desaparecidos, segundo a Comissão de Verdade e Reconciliação.
"Isso começou a ser estudado há dez anos, mas sem a mesma intensidade", disse o comandante Renato Nuño Luco, da Academia de Guerra Aérea do Chile. "Hoje, há uma melhor compreensão do que são os direitos humanos e isso coincide com a redemocratização."
Na Argentina, a reforma mais visível foi nos tribunais. Há uma semana, o governo concluiu uma revisão completa em seu Código de Justiça Militar, depois de ter convivido por 61 anos com uma normativa que previa pena de morte para militares e aplicação de castigos para homossexuais.
Outra característica inovadora do Conselho é que sua criação foi impulsionada por ministros civis. Nos anos 70 e 80, os três ramos das Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica - possuíam ministérios próprios, sem subordinação a nenhuma autoridade civil.
"O conselho não é uma aliança militar no sentido clássico", disse ao Estado o ministro da Defesa do Chile, José Goñi. "A intenção é promover maior integração num contexto de consolidação democrática."
Segundo Goñi, a nova instância "permite que as mais altas autoridades de nossos governos democráticos possam se coordenar de maneira permanente".
Monica Hirst, pesquisadora do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade Torcuato di Tela, de Buenos Aires, explica que "nos anos 90, criou-se um consenso hemisférico sobre a importância para a consolidação da democracia de alcançar o controle civil sobre as Forças Armadas. Desde então, todos os países sul-americanos avançaram nessa área". Mas ela lembra que "nem sempre, o poder real recai sobre os ministros", o que é percebido "na definição de orçamentos, estratégias, doutrinas e iniciativas de intervenção".
TEMAS DO ENCONTRO
Políticas de Defesa - Modernização das Forças Armadas da região, maior transparência nos orçamentos e gastos com material bélico, prospecção de ameaças regionais e mundiais.
Operações humanitárias - Exercícios conjuntos e definição de mecanismos de respostas imediatas combinadas em casos de catástrofes, ação em operações de paz, inventário da capacidade de cada país para apoiar missões da ONU.
Indústria e tecnologia militar - Diagnóstico da indústria de defesa nos países-membros e promoção de iniciativas multilaterais de cooperação na produção de material bélico.
Capacitação - Criação de uma rede sul-americana de instrução militar e de um centro sulamericano de estudos estratégicos.