Compra de caças faz concorrente americano levar negócio ao encontro de hoje entre Lula e democrata
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A briga de foice das três concorrentes ao fornecimento de 36 novos aviões de combate à Força Aérea Brasileira entrou numa nova etapa, em que todos tiram suas cartas da manga. Delegações visitam o Brasil desde a semana passada, e os americanos levaram a questão para o encontro de hoje entre os presidentes Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva.
O negócio é estimado em US$ 2 bilhões, mais o mesmo valor em compensações tecnológicas e comerciais (offset), fora a promessa de uma parceria de mais de 30 anos. Nos bastidores, contudo, o temor de que a crise e o antagonismo entre Ministério da Defesa e FAB cancelem a disputa dá o tom.
A FAB começou a ouvir os finalistas, pedindo explicações adicionais à resposta dada por eles ao RFP (solicitação de proposta, na sigla inglesa) do chamado projeto F-X2. Além de esclarecer dúvidas estritamente militares, a FAB pediu mais detalhes sobre o offset. Todos os concorrentes já assinaram memorandos com as principais empresas aeronáuticas brasileiras sobre formas de capacitá-las. Para a Embraer, sob pressão devido à demissão de 20% de seu quadro, tais ganhos podem ser mais significativos.
A americana Boeing foi a primeira a desembarcar, com seu presidente para a área de Defesa, Jim Albaugh, e 22 empresários ligados ao seu produto, o F-18. Albaugh afirmou à Folha que iria "garantir" ao governo que não haveria vetos de transferência tecnológica, embora concorde que seja impossível garantir eternamente, já que o Congresso e a Presidência dos EUA podem mudar de ideia.
"Não tivemos problemas nos acordos no passado, não teremos aqui." Os argumentos da Boeing para rebater o temor político passam por um histórico de US$ 29 bilhões de contratos de offset com 38 países.
Mas a carta principal não foi jogada no Brasil. O Departamento de Estado foi informado sobre detalhes da proposta da Boeing para que o tema fosse abordado no encontro de hoje –não necessariamente por Obama, mas por seu time.
Os suecos da Saab apresentaram nesta semana os detalhes requeridos pela FAB sobre o seu Gripen, e apostam no que consideram ser o maior trunfo: o fato de a versão oferecida ser um avião em desenvolvimento, o que em tese permite maior participação nacional.
Semana que vem é a vez dos até aqui favoritos, os franceses da Dassault, com o Rafale. Levarão 42 empresários para visitas à comissão que cuida do F-X2, em São José dos Campos (SP). Na semana passada, foram quase 200 encontros entre empresários franceses e brasileiros na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), para acentuar a ideia do F-X2 como um negócio que ultrapassa o caça em si. "Temos o que ninguém tem: total controle sobre a tecnologia do avião, e autorização para transferi-la", disse Jean-Marc Merialdo, diretor da Dassault no Brasil.
Nos contatos extraoficiais, contudo, a preocupação maior é com o destino político do F-X2. A declaração do ministro Nelson Jobim (Defesa) de que aceitaria examinar propostas de concorrentes eliminados pela FAB em etapa posterior à seleção até agora não foi digerida por alguns oficiais. A Defesa, porém, disse que nada muda.
Ao receber jornalistas brasileiros em Estocolmo, o presidente da Saab, Ake Svensson, foi questionado pela Folha sobre isso. "Seria injusto mudar as regras." Com tudo isso e sob a sombra da incerteza da crise, as cartas parecem embaralhadas. A novela, iniciada em 2001, ainda terá vários capítulos.