Ao menos 460 palestinos morreram em nove dias de uma grande ofensiva militar israelense na faixa de Gaza, mas as bombas não são as únicas que podem matar: também existe o risco de doenças causadas pelo frio.
Safwat al-Kahlout é palestino, mora em Gaza e precisou ir a um hospital por estar com insuficiência respiratória. Os problemas começaram porque ele e a família dormem de janelas abertas para evitar que bombas quebrem os vidros de sua casa e eles sejam atingidos pelos estilhaços em pleno inverno israelense de temperaturas que oscilam em torno de zero grau.
Leia o relato Al-Kahlout, escrito neste sábado, pouco antes de Israel iniciar ofensiva terrestre contra Gaza:
"Há oito dias, eu e minha família dormimos com as janelas abertas, embora a temperatura do lado de fora oscile em torno de zero grau. Somos obrigados a fazer isso, pois em caso de bombardeio a onda gerada pelas explosões quebraria os vidros e poderíamos ser feridos pelos estilhaços.
Ontem [sexta-feira (2)], depois de uma semana dormindo no gelado, acordei com uma tosse fortíssima, e quando anoiteceu eu mal podia respirar. Ir à farmácia é impossível: estão quase todas fechadas, e as únicas duas que seguem abertas já não têm mais remédios.
Por outro lado, é sempre perigoso andar pela cidade, por causa das bombas que podem cair a qualquer momento. Por sorte, um amigo se ofereceu para ir comigo a um hospital.
Ao chegarmos lá, deparei-me com uma situação terrível: todas as camas, mesmo as desocupadas, estavam manchadas de sangue. Um médico me explicou, então, que eles não tinham tido tempo para limpá-las, porque assim que um paciente vai embora -- vivo ou morto -- seu lugar imediatamente é ocupado por outro.
E mesmo se houvesse tempo, conta, isso de nada adiantaria, já que na lavanderia do hospital não há nem água nem eletricidade.
Tentei esquecer do sangue, estendi minha jaqueta sobre a cama e deitei. O médico injetou na minha veia um remédio que me faria respirar melhor.
Pouco tempo depois, ele voltou com um pequeno frasco de antibiótico, contando-me que teve de roubá-lo, porque todos os remédios mais usados ficam trancados, reservados para o caso de os israelenses iniciarem o temido ataque por terra.
Em Gaza, milhares de pessoas se encontram na mesma situação que a minha, com bronquite, pneumonia ou coisas piores, mas não conseguem chegar ao hospital porque têm medo de sair de casa ou sentem vergonha por ocupar uma cama que deveria estar reservada aos que foram feridos pelas bombas.
O doutor me disse que o diretor do hospital, Hassan Salas, organizou uma reunião de urgência para avaliar a situação caso Israel inicie uma invasão por terra. E a conclusão é que esta seria situação desesperadora: não estamos preparados para os milhares de pacientes que este tipo de ataque geraria.
A situação é igualmente ruim no hospital pediátrico de Gaza, o Naser, onde a explosão de uma bomba destruiu todos os vidros das janelas da maternidade e da sala em que estão as incubadoras, com 30 bebês prematuros.
As crianças foram tiradas de lá junto com suas mães e levadas ao setor de emergência, mas as condições no local também são precárias.
Na seção de oncologia, todos os tratamentos foram suspensos por falta de remédios. Com isso, os doentes de câncer podem apenas ser submetidos a exames clínicos."