Procurador investiga se soldados e oficiais do Exército teriam prendido ilegalmente 12 indígenas na fronteira com a Colômbia
Supostas vítimas de tortura relatam que ficaram presas em gaiolas em pelotão do Exército; Força diz que não cometeu "atos delituosos"
Supostas vítimas de tortura relatam que ficaram presas em gaiolas em pelotão do Exército; Força diz que não cometeu "atos delituosos"
BRENO COSTA
O Ministério Público Federal do Amazonas investiga denúncias de tortura contra índios praticada por militares brasileiros na fronteira com a Colômbia, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), na terra indígena Alto Rio Negro.
O inquérito civil público foi instaurado no último dia 20 de outubro e apura denúncias de que um grupo de sete militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira) torturou 12 jovens indígenas nas dependências do pelotão, em setembro do ano passado.
A acusação é da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que representa 23 povos indígenas, e tem como base relatos de índios kuripakos das comunidades São Joaquim e Warirambã, localizadas a 320 km (quatro dias de barco) da área urbana de São Gabriel da Cachoeira.
O Comando Militar da Amazônia, ao qual está subordinado o 3º PEF, negou em nota oficial "atos delituosos" por parte dos militares e afirmou que está preparando resposta aos questionamentos que já foram feitos pelo procurador do Ministério Público Federal.
De acordo com o relato dos índios -no qual se baseou a abertura de investigação pelo procurador Rodrigo da Costa Lines -, por volta das 23h do dia 27 de setembro de 2007, militares fardados, armados com pistolas e fuzis e sem mandados judiciais retiraram à força os índios de suas casas.
Os militares, dizem os índios, procuravam um jovem que teria trazido cocaína da Colômbia para a aldeia. Esse índio foi identificado dez dias depois do incidente, segundo a Foirn, como membro da comunidade Panã-Panã -outra localizada na terra indígena. Ele não estava entre os jovens supostamente levados ao quartel.
Casos
Ainda de acordo com a denúncia, os jovens indígenas, alguns menores de idade, segundo a Foirn, foram levados para o pelotão de fronteira. Lá, relatam, ficaram cerca de duas horas deitados no chão, com armas apontadas para suas cabeças, enquanto eram agredidos fisicamente pelos militares.
Em seguida, foram confinados, nus, todos juntos, dentro de uma gaiola de ferro, própria para prender onças. Ainda de acordo com as denúncias dos índios, os militares, por três vezes, jogaram baldes de água gelada nos jovens, que só foram liberados pela manhã.
A Folha teve acesso a seis cartas manuscritas por indígenas que relatam terem sido alvo da ação de um cabo, dois soldados, três sargentos e um tenente do 3º PEF.
Um dos jovens relata na carta que eles ficaram "presos como animais, presos apertadíssimos", e que os militares não permitiram que eles fossem ao banheiro. Outro diz que foi jogado no chão dentro de casa pelos militares, enquanto a casa era revistada e que foi chamado de "cachorro" e "porco".
Em 17 de março deste ano, a Foirn, ao saber do caso, encaminhou o relato a diversos órgãos do governo federal, além do Estado Maior do Exército e da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público, que decidiu pelo envio do caso à Procuradoria da República no Amazonas.
O inquérito tem prazo de um ano para ser concluído. O procurador Rodrigo Lines está de licença e só volta ao trabalho na semana que vem. Caso surjam provas suficientes, a Procuradoria apresenta denúncia à Justiça Federal, por envolver agressão contra índios.
Por também envolver militares, o juiz, no entanto, pode declinar de sua competência para que o caso seja julgado pela Justiça Militar.
Exército afirma que não torturou índios
Comando da Amazônia diz que sindicância não constatou crimes, mas não confirma se jovens estiveram no pelotão no ano passado
O CMA (Comando Militar da Amazônia) informou, em nota oficial, que uma sindicância foi instaurada para apurar as denúncias dos indígenas e que, após concluída, a investigação interna não identificou "qualquer ato delituoso por parte de militares" do 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira). A sindicância foi aberta em junho deste ano, segundo o CMA.
A nota não deixa claro se a sindicância instaurada pelo 5º Batalhão de Infantaria de Selva, subordinado ao CMA e responsável pelo destacamento do 3º PEF, confirmou que 12 jovens indígenas foram levados ao pelotão na noite de 27 de setembro do ano passado.
No final da nota, assinada pela Seção de Comunicação Social do CMA, o Exército afirma que "caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias".
A nota diz que os generais João Carlos de Jesus Corrêa e Ivan Carlos Weber Rosas, respectivamente chefe do Estado Maior do CMA e comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, foram à comunidade São Joaquim e que "foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF".
Leia a íntegra da nota do Comando Militar da Amazônia:
A respeito da informação, citada em sua mensagem eletrônica, de supostas denúncias, formuladas por indígenas da comunidade de São Joaquim (AM), contra militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira), informamos que, na oportunidade em que as acusações vieram à tona, foi instaurada uma sindicância pelo comando do 5º Batalhão de Infantaria de Selva (em São Gabriel da Cachoeira), ao qual o 3º PEF é subordinado, para apurar os fatos. Ao final da sindicância, não foi caracterizado qualquer ato delituoso por parte de militares.
Com respeito ao citado inquérito civil público, o comando do 5º Batalhão de Infantaria de Selva recebeu, do procurador do Ministério Público Federal, questionamentos referentes à denúncia em tela e está adotando as medidas pertinentes, visando a atender aquela autoridade.
Cabe acrescentar que o general-de-brigada João Carlos de Jesus Corrêa, chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia, e o general-de-brigada Ivan Carlos Weber Rosas, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, estiveram em São Joaquim, em 6 de novembro do corrente ano, acompanhando uma comitiva de professores e alunos de universidades paulistas em visita à Amazônia.
Foram recebidos pela comunidade indígena, chefiada pelo vice-capitão Carlos Lourenço de Góes. Na oportunidade, questionaram quanto à existência de alguma pendência ou problema. A esses oficiais-generais foi informado que o que realmente afeta a comunidade é a falta de energia elétrica. Ressalto que, durante a visita, foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF, traço comum na convivência entre representantes do Exército brasileiro e as diversas comunidades indígenas de toda a Amazônia, tanto nos rincões onde destacamos pelotões especiais de fronteira quanto naqueles em que mantemos contatos permanentes e rotineiros. É fácil constatar o apoio que prestamos a essas comunidades.
O Comando Militar da Amazônia reafirma que prossegue na sua missão constitucional de defesa da soberania nacional na Amazônia e no exercício de inúmeras ações complementares que nos integra à população amazônica. No entanto, caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias.
O inquérito civil público foi instaurado no último dia 20 de outubro e apura denúncias de que um grupo de sete militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira) torturou 12 jovens indígenas nas dependências do pelotão, em setembro do ano passado.
A acusação é da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), que representa 23 povos indígenas, e tem como base relatos de índios kuripakos das comunidades São Joaquim e Warirambã, localizadas a 320 km (quatro dias de barco) da área urbana de São Gabriel da Cachoeira.
O Comando Militar da Amazônia, ao qual está subordinado o 3º PEF, negou em nota oficial "atos delituosos" por parte dos militares e afirmou que está preparando resposta aos questionamentos que já foram feitos pelo procurador do Ministério Público Federal.
De acordo com o relato dos índios -no qual se baseou a abertura de investigação pelo procurador Rodrigo da Costa Lines -, por volta das 23h do dia 27 de setembro de 2007, militares fardados, armados com pistolas e fuzis e sem mandados judiciais retiraram à força os índios de suas casas.
Os militares, dizem os índios, procuravam um jovem que teria trazido cocaína da Colômbia para a aldeia. Esse índio foi identificado dez dias depois do incidente, segundo a Foirn, como membro da comunidade Panã-Panã -outra localizada na terra indígena. Ele não estava entre os jovens supostamente levados ao quartel.
Casos
Ainda de acordo com a denúncia, os jovens indígenas, alguns menores de idade, segundo a Foirn, foram levados para o pelotão de fronteira. Lá, relatam, ficaram cerca de duas horas deitados no chão, com armas apontadas para suas cabeças, enquanto eram agredidos fisicamente pelos militares.
Em seguida, foram confinados, nus, todos juntos, dentro de uma gaiola de ferro, própria para prender onças. Ainda de acordo com as denúncias dos índios, os militares, por três vezes, jogaram baldes de água gelada nos jovens, que só foram liberados pela manhã.
A Folha teve acesso a seis cartas manuscritas por indígenas que relatam terem sido alvo da ação de um cabo, dois soldados, três sargentos e um tenente do 3º PEF.
Um dos jovens relata na carta que eles ficaram "presos como animais, presos apertadíssimos", e que os militares não permitiram que eles fossem ao banheiro. Outro diz que foi jogado no chão dentro de casa pelos militares, enquanto a casa era revistada e que foi chamado de "cachorro" e "porco".
Em 17 de março deste ano, a Foirn, ao saber do caso, encaminhou o relato a diversos órgãos do governo federal, além do Estado Maior do Exército e da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público, que decidiu pelo envio do caso à Procuradoria da República no Amazonas.
O inquérito tem prazo de um ano para ser concluído. O procurador Rodrigo Lines está de licença e só volta ao trabalho na semana que vem. Caso surjam provas suficientes, a Procuradoria apresenta denúncia à Justiça Federal, por envolver agressão contra índios.
Por também envolver militares, o juiz, no entanto, pode declinar de sua competência para que o caso seja julgado pela Justiça Militar.
Exército afirma que não torturou índios
Comando da Amazônia diz que sindicância não constatou crimes, mas não confirma se jovens estiveram no pelotão no ano passado
O CMA (Comando Militar da Amazônia) informou, em nota oficial, que uma sindicância foi instaurada para apurar as denúncias dos indígenas e que, após concluída, a investigação interna não identificou "qualquer ato delituoso por parte de militares" do 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira). A sindicância foi aberta em junho deste ano, segundo o CMA.
A nota não deixa claro se a sindicância instaurada pelo 5º Batalhão de Infantaria de Selva, subordinado ao CMA e responsável pelo destacamento do 3º PEF, confirmou que 12 jovens indígenas foram levados ao pelotão na noite de 27 de setembro do ano passado.
No final da nota, assinada pela Seção de Comunicação Social do CMA, o Exército afirma que "caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias".
A nota diz que os generais João Carlos de Jesus Corrêa e Ivan Carlos Weber Rosas, respectivamente chefe do Estado Maior do CMA e comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, foram à comunidade São Joaquim e que "foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF".
Leia a íntegra da nota do Comando Militar da Amazônia:
A respeito da informação, citada em sua mensagem eletrônica, de supostas denúncias, formuladas por indígenas da comunidade de São Joaquim (AM), contra militares lotados no 3º PEF (Pelotão Especial de Fronteira), informamos que, na oportunidade em que as acusações vieram à tona, foi instaurada uma sindicância pelo comando do 5º Batalhão de Infantaria de Selva (em São Gabriel da Cachoeira), ao qual o 3º PEF é subordinado, para apurar os fatos. Ao final da sindicância, não foi caracterizado qualquer ato delituoso por parte de militares.
Com respeito ao citado inquérito civil público, o comando do 5º Batalhão de Infantaria de Selva recebeu, do procurador do Ministério Público Federal, questionamentos referentes à denúncia em tela e está adotando as medidas pertinentes, visando a atender aquela autoridade.
Cabe acrescentar que o general-de-brigada João Carlos de Jesus Corrêa, chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia, e o general-de-brigada Ivan Carlos Weber Rosas, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, estiveram em São Joaquim, em 6 de novembro do corrente ano, acompanhando uma comitiva de professores e alunos de universidades paulistas em visita à Amazônia.
Foram recebidos pela comunidade indígena, chefiada pelo vice-capitão Carlos Lourenço de Góes. Na oportunidade, questionaram quanto à existência de alguma pendência ou problema. A esses oficiais-generais foi informado que o que realmente afeta a comunidade é a falta de energia elétrica. Ressalto que, durante a visita, foi observado um excelente relacionamento entre a comunidade e os integrantes do 3º PEF, traço comum na convivência entre representantes do Exército brasileiro e as diversas comunidades indígenas de toda a Amazônia, tanto nos rincões onde destacamos pelotões especiais de fronteira quanto naqueles em que mantemos contatos permanentes e rotineiros. É fácil constatar o apoio que prestamos a essas comunidades.
O Comando Militar da Amazônia reafirma que prossegue na sua missão constitucional de defesa da soberania nacional na Amazônia e no exercício de inúmeras ações complementares que nos integra à população amazônica. No entanto, caso sejam confirmadas quaisquer denúncias envolvendo militares do Exército, não hesitaremos em colaborar para fazer valer as sanções legais que se fizerem necessárias.