Pesou na escolha dos finalistas para o fornecimento de caças ao Brasil a crescente presença militar russa na Venezuela
O modelo francês Dassault Rafale é o favorito para vencer a disputa; chances do americano F-18 e do sueco Gripen NG são pequenas
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma calculada manobra política, influenciada por pressões sutis vindas de Washington, definiu os finalistas da disputa pelo fornecimento dos novos caças da Força Aérea Brasileira. Para surpresa dos meios militares, a Rússia ficou de fora e os Estados Unidos, dentro.
O favorito é o francês Dassault Rafale, e a escolha deverá ser feita no começo de 2009. Pesou na escolha do governo, adiantada ontem pelo "Painel" da Folha, a crescente presença militar russa na região, por cortesia do antiamericanismo radical do governo Hugo Chávez na Venezuela e das restrições de Washington para fornecer material bélico para Caracas.
Além de já ter vendido cerca de US$ 4 bilhões em armas, incluindo jatos semelhantes aos que oferecia ao Brasil, Moscou tem estreitado sua relação com Chávez, realizando manobras navais no Caribe, enviando bombardeiros estratégicos para treinamento e prometendo parcerias na área nuclear.
Como já negocia a compra de helicópteros de ataque russos, ainda que com dificuldades devido a interesses divergentes, a FAB estimou que estaria se alinhando ao "eixo bolivariano" se também se equipasse com caças Sukhoi - a despeito do fato de o avião ser geralmente considerado superior por analistas ao Rafale, ao sueco Gripen NG e ao americano F-18, os finalistas da disputa.
Sinalização
Além disso, diplomatas americanos fizeram chegar ao governo, por meio de contatos com adidos militares, sinalizações de que Washington não reagiria bem a uma eventual escolha russa.
A pressão naturalmente é velada, incluindo no rol de retaliações hipotéticas limitações de fornecimento tecnológico a empresas brasileiras como a Embraer, mas a mensagem central foi a de que a opção francesa não seria malvista -para bom entendedor, o recado foi dado. De todo modo, a inclusão da Boeing (com o F-18) na disputa final significa uma deferência aos EUA. Isso porque as chances americanas são, se for o caso de acreditar no discurso do governo, quase nulas devido à tradicional restrição americana a transferências de tecnologia militar.
Isso dificulta as coisas também para o Gripen, um avião pequeno que foi reformulado para ter maior autonomia de combate, pois boa parte de seus componentes é americana.
Assim, as apostas ficam com o Rafale, um caça cujo desempenho no Afeganistão vem sendo elogiado, mas que sofre críticas no mercado pelo alto custo unitário (algo como 70 milhões de euros) e de manutenção. Mas é produto francês, que geralmente usa fornecedores não-americanos, e o ministro Nelson Jobim (Defesa) já decretou a França como a parceira estratégica do Brasil em seu ainda encalacrado Plano Nacional de Defesa.
Com tudo isso, parece estar perto do fim a novela da compra dos caças de emprego múltiplo pela FAB, que começou no governo FHC. O negócio prevê a compra inicial de 36 aviões, a custos iniciais especulados em US$ 2 bilhões a serem financiados, mas que na verdade podem ser bem maiores já que a idéia é substituir toda a frota de Mirage-2000, AMX e F-5 ao longo dos anos -são cerca de 120 aeronaves.
A nota da FAB de ontem ainda lembra que deverá haver compensações industriais e capacitação tecnológica do Brasil para a produção de novas gerações de caças, exigência que vem desde a primeira concorrência, cancelada em 2003.
Como isso se dará é uma incógnita, mas é certo que a beneficiária será a Embraer, que é parceira histórica da FAB e a única empresa brasileira capaz de absorver tal processo.