Daniel Rittner, de Brasília
Ainda sem orçamento garantido, a compra de 36 novos caças de múltiplo emprego recolocará o Brasil no topo das forças aéreas sul-americanas, acredita a Aeronáutica. A Força Aérea Brasileira (FAB) pretende fechar o contrato em 2009, mas depende de dotação orçamentária, embora todos os fornecedores ofereçam pacotes para financiar os jatos em vários anos. Na avaliação dos militares, a frota brasileira é inferior, em termos de capacidade de defesa e ataque, à do Chile e da Venezuela, e talvez à do Peru.
O reaparelhamento venezuelano, com a compra de 36 aviões russos Su-30 da Sukhoi pelo presidente Hugo Chávez, é visto com relativa preocupação. Apesar do reconhecimento de que o país vizinho está mais bem equipado e é preciso deixar a FAB ao menos em nível semelhante, militares brasileiros de alta patente dizem que não convém exagerar a potência da Venezuela. "Eles estão agindo como novos ricos. Têm ótimas máquinas, mas não sabem direito o que fazer com elas", diz um oficial que acompanha o projeto F-X2.
Esse mesmo oficial relata alguns prós e contras dos três caças selecionados para a reta final do F-X2. O francês Rafale, da Dassault, seduz os pilotos brasileiros e é considerado a melhor alternativa para missões de ataque ao solo, mas seu uso está restrito à França e ele praticamente só usa armamentos do país. O americano F-18 E/F Super Hornet, da Boeing, por ser bem difundido mundialmente, tem maior economia de escala na reposição de peças e foi elogiado pelo desempenho logístico, mas existem dúvidas sobre a real disposição dos americanos em transferir tecnologia. O sueco Gripen NG, da Saab, melhorou a autonomia de vôo e tem custo imbatível por ser o único monomotor entre os três, mas ainda é um protótipo e não foi vendido a nenhum país.
Para o especialista em segurança internacional Gunther Rudzit, ex-assessor do Ministério da Defesa (gestão Geraldo Quintão) e professor das Faculdades Integradas Rio Branco, os franceses são favoritos para vencer a disputa. Ele cita, como fator de vantagem à Dassault, o acordo estratégico Brasil-França negociado pessoalmente pelo ministro Nelson Jobim. "O processo está sendo direcionado para a escolha do Rafale", afirma Rudzit, que via o Sukhoi como uma das melhores possibilidades e surpreendeu-se com sua exclusão.
Apesar de a FAB ter garantido que a análise foi estritamente técnica, o especialista não descarta influência geopolítica. "A importância estratégica do Brasil não é tão grande para barganhar tecnologia de ponta", diz Rudzit, referindo-se às negociações com os suecos e, principalmente, com os americanos.
"No conjunto, há a intenção do Brasil de aproximar-se da França, e a França, que está atrás dos maiores fornecedores de produtos de ponta na área militar, vê o Brasil como um grande mercado para a sua indústria."
A FAB está de olho em absorver a tecnologia, em particular, dos sistemas de integração de armamentos e o data-link (comunicação entre os caças e as bases terrestres). A tendência é repassar essa tecnologia à Embraer, potencial beneficiária do F-X2, qualquer que seja o escolhido - diferentemente do projeto original, concluído em 2005 sem nenhuma aquisição e em que esteve associada com a Dassault (sua sócia), a fabricante agora assiste à disputa de camarote.
O diretor-geral da Gripen International no Brasil, Bengt Janér, disse ao Valor que os suecos vão oferecer "reais chances de parceria com a indústria de defesa brasileira", abrindo códigos-fonte e transferindo tecnologia. Janér admitiu a hipótese de transferir o conhecimento sueco nessas duas áreas, se forem mesmo de prioridade da FAB. Ele explicou que a nova geração de caças da Gripen tem avanços em relação ao avião oferecido no F-X original, como o radar Aesa e alcance 50% maior, derrubando o mito de que a autonomia do jato não é grande.
"Temos um plano de pesada transferência de tecnologia e de parceria de longo prazo com o Brasil", garante. Ele ressalta, inclusive, que a Suécia está disposta a trabalhar com o país no desenvolvimento de novas gerações de caças. Para ilustrar a confiabilidade do avião, Janér lembra que a Gripen já forneceu caças, fora da Suécia, para a África do Sul, Tailândia, República Tcheca e Hungria. E participa de concorrências em seis países - três dos quais (Índia, Dinamarca e Noruega com a versão NG, semelhante à visada pelo Brasil).
Segundo ele, uma das principais vantagens do caça sueco é o baixo custo operacional, cerca de US$ 4 mil por hora de vôo. No caso do Rafale e do F-18, são US$ 14 mil, diz Janér. "É uma economia de US$ 10 mil por hora voada. Em 200 horas de vôo anuais, a economia chega a US$ 2 milhões. No período de vida útil do caça, de 40 anos, são US$ 80 milhões. Parece pouco, mas se a encomenda for de 36 unidades, serão quase US$ 3 bilhões."