Argentina planeja aliança com Embraer
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Janes Rocha
O governo argentino espera concretizar, até o fim deste ano, uma aliança estratégica entre a fabricante de aviões Área Material Córdoba (AMC) e a brasileira Embraer para a produção conjunta de equipamentos para aviação civil e militar. Será o segundo passo de uma aproximação maior entre a Embraer e Argentina, que está sendo promovida pelos governos com as empresas há um ano e meio, em negociações conduzidas pelos ministros da Defesa do Brasil, Nelson Jobin, e da Argentina, Nilda Garré.
O primeiro passo será discutido no fim de semana quando os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner se encontrarem em Brasília para a celebração do dia da Independência. A presidente argentina comunicará a Lula oficialmente a intenção de seu governo de comprar aviões Embraer para renovação da frota da Aerolíneas Argentinas, cuja reestatização foi aprovada quarta-feira pelo Congresso.
O acordo com a AMC é uma outra etapa. "Acreditamos que Córdoba possa ser um fornecedor estratégico da Embraer", disse ao Valor Oscar Cuattromo, secretário de Planejamento do Ministério da Defesa. Segundo ele, o governo argentino acredita na possibilidade concreta de que a ex-fábrica militar de aviões se converta em um fornecedor da Embraer, começando com a fabricação de peças simples, avançando para a produção conjunta de componentes a médio prazo.
Os contatos de aproximação entre a AMC e a Embraer começaram com a troca de visitas de funcionários e técnicos às duas instalações, a de Córdoba (a 800 km de Buenos Aires) e a de São José dos Campos (200 km de São Paulo). A AMC é administrada pela americana Lockheed Martin Aircraft & Logistics Centers. Desde 1994, quando foi privatizada, se transformou em uma sociedade anônima e passou a se chamar oficialmente Lockheed Martin Aircraft Argentina S/A.
O decreto de 1994, que entregou a AMC em concessão para a Lockheed, era parte de um acordo político para reforçar os laços entre Argentina e Estados Unidos. O contrato de concessão tinha duração de 25 anos (vencimento em 2019) e dava à Lockheed o gerenciamento operacional da fábrica que inclui serviços de manutenção de aviões militares e de empresas aéreas particulares, construção de estruturas, modernização de motores e peças. Mas todos os ativos (prédios, galpões, máquinas, equipamentos e aeronaves) continuaram controlados pelo Estado.
A partir de 2006, o ex-presidente Nestor Kirchner, marido da atual presidente, começou a pressionar a empresa para retomar a produção de aviões Pampa. Como a Lockheed resistiu a retomar o projeto, em outubro de 2007, o Ministério da Defesa decidiu reformular todo o contrato de concessão. O novo contrato estabelecia um orçamento de US$ 66,4 milhões para a prestação de serviços e a fabricação de 10 estruturas do Pampa IA-63. E possuía um adendo, chamado "Contrato de Transição", que deu prazo até 31/12/2008 para que a Lockheed decida se quer continuar ou não com a concessão. Caso não queira, deverá vender as ações da AMC para o governo. Na prática isso significou retirar a concessão da companhia antes do prazo final.
O secretário Cuattromo conta que desde 2005 o governo argentino vinha conversando com a direção da Lockheed para convencer a empresa a voltar a construir aviões para as Forças Armadas. "As negociações foram feitas com muita cordialidade." Mas a resposta foi negativa e por isso, relata, não houve qualquer resistência dos americanos quando a ministra Nilda Garré propôs a antecipação do vencimento do contrato.
"A Lockheed veio para a Argentina como parte de um acordo político, não por uma estratégia de negócios", disse o secretário em entrevista ao Valor na sede do Ministério. Segundo ele, dos US$ 35 bilhões anuais que a gigante americana fatura em suas operações mundiais, a AMC contribui com apenas US$ 40 milhões. Toda a operação é gerenciada por argentinos e os únicos americanos que trabalham em Córdoba são o presidente e um diretor financeiro.
A AMC está equipada para manutenção e reparo dos modelos Pulquí I, o primeiro avião de reação da América Latina e o sétimo do mundo; o Mentor B45, da Beechcraft (para treinamento de pilotos); o Pucará IA-58 (avião de ataque); o Fightinghawk A-4AR; o Hercules C-130; o holandês Fokker F-28;e o brasileiro Tucano, além do Pampa AT-63. Mas suas instalações são antigas e necessitariam investimentos em modernização.
"Nosso objetivo é recuperar as capacidades industriais de Córdoba", afirma Cuattromo, frisando que será um processo longo, complexo e que exigirá muito dinheiro. Por isso o governo argentino está disposto a buscar associações com outras empresas, estatais e privadas. "O investimento em modernização seria feito pelo Estado argentino, mas estamos abertos a associações com outras empresas para projetos específicos". Além da Embraer, o Ministério da Defesa está em negociações com a aeronáutica do Chile e pretende manter a flexibilidade para negociação com outros parceiros.
A expectativa, diz Cuattromo, é recuperar a fábrica nos próximos dez anos e retomar o projeto Pampa que prevê a fabricação de outras 18 aeronaves, para dobrar a frota atual da Força Aérea, e a partir daí começar a produzir para exportação. Não será a primeira parceria da AMC com a Embraer. No começo dos anos 80, a brasileira tinha um acordo com as Forças Armadas da Argentina para o desenvolvimento conjunto do CBA 123, um avião de transporte de passageiros com 19 assentos e motor a hélice traseiro. Porém o acordo resultou na construção de apenas três aeronaves.
Procurada, a Embraer confirmou, por meio de uma nota, que está em negociações com o governo argentino com o "objetivo de estabelecer um plano de cooperação aeronáutico". Segundo o comunicado, nas discussões mantidas entre Embraer e as entidades do governo argentino, "identificou-se, de uma parte, a possibilidade de vendas de aeronaves Embraer para o mercado argentino e, de outra, a capacitação da AMC de prestar serviços de manutenção e produzir peças para as aeronaves civis da Embraer". A empresa diz que, no entanto, não há, em nenhum dos casos, compromisso firmado entre as partes. A Embraer ressaltou que a posição de hoje é a mesma anunciada no início do ano, durante contatos entre os governos do Brasil e Argentina.
Colaborou Marli Olmos, de São Paulo
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