Dieter Dellinger
A Federação Russa tem três marinhas que subsistem ainda desde o colapso da União Soviética. Trata-se de uma marinha que ficou nos estaleiros de construção, tendo alguns desses navios inacabados ido para o ferro-velho e a partir de outros, principalmente submarinos, estão a ser construídas novas unidades, mas em pequeníssimas quantidades. A segunda marinha é a que está amarrada a vários cais com navios aparentemente em bom estado, mas sem navegarem por falta de guarnições, revisões ou reparações e, principalmente, falta de uma estratégia naval, já que os mares pertencem aos EUA e a Federação Russa deixou de ter qualquer justificação para possuir importantes forças navais. A terceira marinha é aquela que ainda navega organizada na Frota do Norte (Ártico) com duas bases principais em Murmansk e Arcangel; na frota do Pacífico a partir de Vladivostok no Mar Interior do Japão; na frota do Báltico a partir de S. Petersburgo; na frota do Mar Negro a partir do porto de Novorosirsk e parcialmente de Sebastopol que ficou pertença da Ucrânia. Por último há umas pequenas flotilhas no Mar Cáspio.
Presentemente, graças às altas cotações do petróleo e gás natural, a Federação Russa já tem dinheiro para fazer as reparações necessárias numa série de navios e navegar novamente com eles.
Porta-aviões Admiral Kuznetzov |
Por isso, após quinze anos de ausência, apareceram no Mediterrâneo e no Atlântico os primeiros navios de combate à superfície russos. No passado dia 19 de Janeiro um grupo de combate com o porta-aviões “Admiral Kuznezov” como navio-almirante, o cruzador lança-mísseis “Moskva” (ex-“Slava”), os navios de combate a submarinos “ Admiral Levtschenko” e “Admiral Tschabanenko”, assim como os navios de abastecimentos “Sergej Ossipow” e “Nikolai Tschiker”. Tudo sob o comando do almirante Nikolai Maximov, comandante da frota do Norte.
Os navios fizeram vários exercícios no Atlântico e o “Moskva” chegou a visitar Lisboa.
Os navios russos usam as iniciais NFR (Navio da Federação Russa) e utilizam o pavilhão branco com a cruz de Santo André a azul. Actualmente, o comandante supremo é o almirante Wladimir Wysozkii que assumiu as suas funções no fim 2007. A marinha em si mesmo resultou da divisão das forças navais soviéticas entre a Federação Russa e a Ucrânia, tendo se afastado gradualmente de tudo o significou antes em termos de comunismo.
O essencial do poder de combate da Armada Russa assenta nos seus submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos (SSBN), mas o último submarino balístico a entrar ao serviço foi há 17 anos, pelo que é agora o “Júri Dolgoruki”, o primeiro novo submarino a ser baptizado com o nome do fundador da cidade Moscovo e da Classe Projecto 955 (Borei). Este navio esteve nos estaleiros desde 1998, pois o aço especial para submarinos era fabricado na Azovstal situada na Ucrânia e muito caro, pelo que o Ministério Russo da Defesa não tinha dinheiro para adquirir a necessária matéria-prima. Neste momento, estão em vias de serem entregues três submarinos de mísseis balísticos de quarta geração “Borei”, devendo o primeiro entrar ao serviço ainda este ano.
No próximo ano, os estaleiros Sewmash em Sewerodwinsk (Mar Branco) iniciarão a construção de um quarto submarino estratégico.
A capacidade construtiva russa deve-se mais ao talento de improvisação dos seus engenheiros que aos recursos financeiros e que levou à utilização de secções de cascos deixados feitos dos tempos da URSS e que faziam parte de outras classes de submarinos. Assim, a classe Borei tem a proa e a popa dos submarinos K-377 Kugar (Projecto 971 com a designação Nato de Akula II). O submarino da mesma classe que está no estaleiro, o “Aleksand Newski”, recebe os segmentos do casco daquilo que deveria ter sido o “Rijs” e o outro, o “Wladimir Monomarkh” também está a ser construído a partir de partes de submarinos inacabados. A União Soviética deixou um gigantesco plano de construção de meios militares que ultrapassavam de longe as possibilidades da sua economia. Agora, como o aumento espectacular dos preços do petróleo e do gás, a Federação Russa retomou, à velocidade de cruzeiro, a construção de novas unidades e a modernização de outras mais antigas ao mesmo tempo que continuará a desmantelar muitas unidades que já nem estão em estado de navegar devido ao longo tempo de imobilização. A Federação Russa sofre do facto de ter de possuir quatro frotas armadas muito distanciadas umas das outras pelo que é quase impossível o seu agrupamento com rapidez num qualquer teatro de operações. Recordemos a Batalha de Tsushima que descrevi nesta revista e que levou à destruição de uma grande armada enviada do Báltico ao Extremo Oriente e que chegou às águas japonesas muito desgastada e sem passar previamente por uma base para reparações e reabastecimentos.
Curiosamente, a marinha russa ainda utiliza os maiores navios de combate de superfície que não são porta-aviões. Refiro-me aos seguintes cruzadores lança-mísseis:
Fundamentalmente, são verdadeiros cruzadores de batalha com um deslocamento máximo militar de 38.000 toneladas, 252 metros de comprimento, accionados cada um por dois reactores nucleares de 300 Mwt que alimentam quatro turbinas a vapor de 35.000 cv cada ligadas a dois veios com hélices. Além disso, na casa das máquinas ainda estão 4 geradores eléctricos de 3000 kW e duas caldeira adicionais a vapor redundantes que permitem uma velocidade de 17 nós sem utilização do sistema nuclear. Estes navios com cerca de 610 homens de guarnição podem estar no mar durante 60 dias sem reabastecimentos.
O “Piotr Welikij” possui uma blindagem de 100 mm na zona dos reactores e de 70 mm na zona do leme e 50 mm no tombadilho (deck) e 80 mm na torre.
Entre o seu numeroso armamento contam-se 20 lançadores básicos para mísseis de cruzeiro P-700 Granit ou para torpedos P-40 de ataque a submarinos.
16 lançadores para 8 mísseis cada do tipo anti-aéreo SA-N-9 comandados por radares que acompanham alvos em voo baixo como em voo alto. Portanto com 128 mísseis.
12 lançadores de 8 mísseis B-203A anti-submarinos capazes de lançar torpedos
2 lançadores de cinco mísseis cada destinados a abater mísseis anti-navio lançados por submarinos inimigos.
Em termos de artilharia, o “Piotr Welikij” tem 1 peça singular e uma binária de 130 mm e 6 sistemas Kashtan, anti-alvos aéreos que juntam peças multitubos de 30 mm do tipo Gatling com mísseis, capazes de enfrentarem 256 corpos voadores (aviões ou mísseis).
E ainda tem ou tinha um lançador de 10 morteiros anti-submarino RBU 1200 e dois lançadores de seis cada. Provavelmente já foram retirados porque são armas tidas como obsoletas, excepto no combate a submarinos do terceiro mundo, substituídas por torpedos anti-submarinos filo- ou auto-guiados. Para combater torpedos tinha também 2 lançadores de seis morteiros Udav que também podem já ter sido retirados.
Para além dos dois ex-“Kirov”, a Federação Russa possui ainda os navios do mesmo tipo, mas mais pequenos, anteriormente denominados da classe “Slava” (Fama) do Projecto 1164 “Atlant”. O ex-“Slava” passou a “Moskva” e visitou recentemente o Tejo. São navios capazes, mas muito vilipendiados pelas marinhas da Nato que dizem que os soviéticos e russo colocaram os mísseis na montra. Efectivamente, por razões de algum atraso técnico que antes foi sempre negado pelos americanos, os mísseis russos ou soviéticos eram de tamanho maior, pelo que não podiam ser colocados na coberta e serem lançados verticalmente, excepto em navio de grande porte. Acontecia com os destrutores das classes “Kresta” e “Kara” dos anos sessenta e setenta e o problema da miniaturização dos componentes parece que ainda não está de todo resolvido.
Nos navios do Projecto 1164, os mísseis estão instalados por cima do deck ao lado das super-estruturas com a ponte de comando, ocupando um grande volume com muita visibilidade.
Estes navios foram desenvolvidos como uma segurança para o caso de os grandes “Kirov” falharem e são navios de ataque a grandes esquadras inimigas com mísseis que procuram o inimigo para além da linha do horizonte.
O primeiro navio da classe, o ex-“Slava” e hoje “Moskva” entrou ao serviço em 1981 na Frota do Mar Negro. Seguiu-se o “Marschall Ustinov” em 1986 da frota do mar do Norte e em 1990 o “ex-Tcherwona Ukraina” (Ucrânia Vermelha) e hoje “Wariag”, que nunca chegou a ser completado, ainda faltam os 5% do navio, pretendendo a Ucrânia vendê-lo, mas sem sucesso até agora, apesar de haver interesse por parte da Rússia na sua aquisição. Um quarto navio o “Admiral Flota Lobov” (Almirante de Frota Lobov) deveria ter sido completado em 1995, mas ainda está nos estaleiros de Nikaileiv e já mudou de nome para “Ukraina”. Quase todos os navios com nomes comunistas mudaram de nome, pelo que produzem alguma confusão hoje.
Uma das razões da existência destes cruzadores lança-mísseis do Projecto 1164 reside igualmente nos seus custos de manutenção mais baixos com menores guarnições. Os técnicos russos têm escrito que com boa manutenção e modernização de equipamentos são navios para durarem mais vinte anos.
Os Projecto 1164 são navios de 12.600 toneladas de deslocamento máximo com 186,0 m de comprimento. A maquinaria motriz é constituída por seis caldeiras a vapor tubulares, quatro turbinas a gás de 121.000 WPS e dois veios, permitindo uma velocidade máxima de 33 nós. O distância máxima de navegação é de 10.000 milhas a 16 nós.
O armamento principal é constituído por:
16 mísseis P-500 “Basalt” anti-navios.
8 lançadores S-300F verticais para 64 mísseis anti-aéreos (SA-N-6 Grumble)
2 lançadores gémeos 9K33 “Osa” para 40 mísseis anti-aéreos (SA-N-4 Gecko)
1 peça binário de 130 mm
6 canhões de tiro rápido de 30 mm para abater mísseis a curta distância.
2 lança roquetes RBU 6000
10 tubos lança torpedos de 533 mm
1 helicóptero Kamov Ka 27
Guarnição 480 militares.
A marinha russa possui hoje um porta-aviões, o “Admiral Flota Soyuza Kuznezov”, mas pretende chegar aos anos vinte deste séculos com seis unidades deste tipo, três no Pacífico e três no Mar do Norte, isto por questão de rotatividade de manutenção. Um em grandes reparações, outro em manutenção de rotina e um terceiro activo com o respectivo grupo de combate. Deverão ser bem mais pequenos que os americanas e estão ainda dependentes do desenvolvimento de novos meios aéreos.
O nome do almirante Kuznezov não foi alterado, apesar de ter sido comissário de Estaline para a marinha e Almirante de toda a Frota de URSS aos 34 anos de idade, mas foi duas vezes degradado e reposto em postos cada vez mais importantes e depois da guerra, aos 51 anos de idade, despedido pelo ditador que detestava gente verdadeiramente eficiente e capaz. Kuznezov não obedeceu às ordens de Estaline e preparou a marinha para enfrentar um ataque nazi logo aos primeiros minutos. Efectivamente, quando os Stukas alemães julgavam que iam atacar de surpresa as bases de Sebastopol e Leningrado, nas primais horas da invasão da URSS, encontraram já no ar os aviões da marinha e no chão os holofotes acesos e o pessoal de artilharia anti-aérea a postos. Com isso, Kuznezov salvou a marinha de guerra soviética, ao contrário do que sucedeu com as forças terrestres e aéreas que, por ordens de Estaline, se deixaram apanhar de surpresa pelos nazis e foram em grande parte aniquiladas. Estaline tinha proibido as patrulhas aéreas permanentes no ar, mas não foi obedecido pela marinha. E foram os canhões da marinha que impediram a conquista de Leningrado pelos nazis que a cercaram durante 900 dias.
O porta-aviões Kuznezov navega em pleno e esteve recentemente em manobras no Atlântico, apesar de ter sido construído em 1987, mas incorporado bem mais tarde após modificações e adaptação dos meios aéreos. O seu irmão gémeo, o “Varyag” (ex-“Riga”) ficou na marinha ucraniana que acabou por o vender à China. As dificuldades económicas dessa bela nação que é a Ucrânia não comportam a posse de uma grande marinha para defender um naco de costa no Mar Negro.
O Kuznezov é um porta-aviões médio que desloca 65.000 toneladas com um comprimento de 300 m destinado a utilizar vários tipos de aviões. Geralmente transporta 60 aviões de asa fixa e uns tantos helicópteros de aviões de descolamento vertical. São os Jakolev Jak-38 e Jak-41 de descolamento vertical do tipo dos Harriers britânicos e uma versão marítima do Mig-29 de asa fixa e/ou o Sukoy Su-27.
É accionado por quatro turbinas a vapor de 37.555 cv que permitem ao navio atingir a velocidade de 32 nós.
O armamento do “Admiral Kuznezov” comporta 24 lançadores para 8 mísseis anti-aéreos SA-N 9 e mísseis anti-navio SS-N-19 acompanhados pelo disparo de canhões híbridos de 30 mm e várias peças de 100 e 76 mm.
Em próximo artigo farei a descrição das numerosas classes de destrutores e navios a anti-submarinos para me dedicar depois à ainda importante frota de submarinos de ataque e estratégicos que não se comparam com o que os americanos possuem, já que a Federação Russa é uma potência amiga do Ocidente a muito pacífica.
Caros Amigos,
ResponderExcluirObrigado por publicarem o meu texto. Poderão vir a publicar os textos subsequentes, quando entenderem.
É excelente o vosso blog e notável a foto do porta-aviões.
Vejam um texto sobre os novos submarinos portugueses com células de combustível sob o título "Afinal, Os Submarinos são necessáarios". Parece um pouco humorístico, mas há algo de trágico no comportamento do presidente do Governo Regional da Madeira que leva a ter de pensar a Marinha de Guerra Portuguesa como instrumento de coesão nacional e de respeito pela Constituição da República que não admite a separação das regiões insulares.
Saudações Cordiais
Dieter Dellinger