A IV Frota e os interesses brasileiros no mar

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Roberto Carvalho de Medeiros

A IV Frota da Marinha dos Estados Unidos possui uma relação histórica para com o Brasil.

Na II Guerra Mundial aquela esquadra americana realizou escolta de navios mercantes no Atlântico Sul, juntamente com a Esquadra brasileira.

Registros obtidos na “Biblioteca Presidencial Lyndon Johnson” demonstram sua disponibilidade pelo governo norte-americano para emprego velado em apoio à revolução militar de 1964, caso houvesse resistência interna.

Após passar um longo período de tempo, a ativação dessa esquadra norte-americana causa espécie ao governo brasileiro (MRE e MinDefesa), haja vista o importante momento em que o País atravessa.

Em pleno desenvolvimento de uma mentalidade marítima, identificando e conhecendo um conjunto de valores estratégicos existentes no interior da Amazônia Azul, espaço geográfico e marítimo compreendendo a projeção da soberania brasileira sobre e sob o mar, solo e sub-solo marinho (mais de 50% do território nacional), o Brasil inicia uma nova era de inserção mundial.

Além da questão dos hidrocarbonetos, é na atividade pesqueira que o nosso país também se projetou internacionalmente, em particular na pesca do atum, de alto valor comercial.

A “Comissão internacional para a conservação dos tunídeos do Atlântico” (ICCAT), uma das cinco organizações internacionais especializadas no assunto, já externou a existência de grande massa pesqueira que se desloca permanentemente em grande área marítima da zona econômica exclusiva brasileira.

Por meio das recentes descobertas de gigantescas jazidas de hidrocarbonetos (gás e petróleo) na região sudeste, estima-se que o Brasil possuirá um bilhão de barris de petróleo por ano entre 2013 e 2014.

Esta quantidade projeta o País entre um dos maiores produtores de petróleo do mundo daqui a cinco anos, período próximo no qual o petróleo ainda será considerado a principal fonte de energia, de alto valor estratégico!

E é também sobre os mares que são transportados mais de 95% das trocas comerciais do Brasil, tornando a manutenção das linhas marítimas também um desafio especial para o Estado, a fim garantir a segurança de quem navega pelas águas jurisdicionais brasileiras, atuando no comércio exterior.

Nos estudos estratégicos, a “coincidência” é algo pouco provável e admitida como última hipótese. O Poder Naval norte-americano está presente de forma global.

Dividido por área marítima, a Marinha dos Estados Unidos possui uma esquadra sediada em pontos focais dentro de cada oceano do globo.

Assim sendo, a II Esquadra tinha sob sua responsabilidade o Atlântico Norte até absorver a IV Frota em meados dos anos 50 quando passou a ter presença em todo o Oceano Atlântico.

Agora, com a reativação desta última, novamente este enorme espaço marítimo ficou dividido em duas partes, mas com uma nova característica geoestratégica: o Atlântico Norte com a II Esquadra e o Atlântico Sul, com a IV Esquadra, agora incluindo o Caribe e o espaço marítimo internacional adjacente aos países sul-americanos no Pacífico.

Voltaremos a este ponto a seguir. A III Esquadra atua no Pacífico, desde a costa americana até um espaço marítimo “fluido” adjacente a oeste do Hawai.

A V Esquadra atua no Oceano Índico, com atenção especial ao Golfo Pérsico, Mar Vermelho e o Golfo de Bengala e seus estreitos.

A VI Esquadra está presente no Mar Mediterrâneo como um todo. E a VII Esquadra, sediada no Japão, cobre todos os espaços marítimos do Pacífico nas proximidades daquele país, particularmente os estreitos de alto valor estratégico adjacentes à China e à Rússia.

Uma esquadra da Marinha norte-americana é composta por um conjunto de navios que pode variar de acordo com o propósito de suas diferentes tarefas.

Normalmente nucleada em um porta-aviões com aviação embarcada para proteção à frota (interceptação, ataque, alarme aéreo antecipado, guerra eletrônica, etc.), socorro e salvamento e, principalmente, de capacidade de projeção de poder sobre terra, uma esquadra dessa dimensão tem como principal unidade esse conjunto “porta-aviões + aviação embarcada” como a unidade de maior valor.

Esse conjunto é protegido por navios-escoltas com capacidade de defesa a longa, média e curta distância nas três dimensões (aérea, superfície e anti-submarina), além de navios de apoio logístico (combustível, mantimentos, munição, etc.) e de, no mínimo, dois submarinos nucleares na defesa submarina.

Em consonância com o Direito Internacional, cada piso metálico de uma unidade naval dessa ou daquela esquadra é o próprio solo norte-americano, pelo princípio jurídico do Direito Internacional e praticado pela diplomacia mundial, qual seja a extraterritoriedade, reconhecido internacionalmente.

É mais uma característica exclusiva de um poder naval: ser flexível, de acordo a necessidade, e representar legalmente o Estado de origem da sua bandeira, esteja onde estiver!

É fácil concluir que o governo americano sinaliza ser prioritária a presença norte-americana de forma plena e ostensiva em cada região do mundo por meio do seu Poder Naval, alterando sua intensidade, composição, características e permanência, conforme o nível de interesse nessa ou naquela região.

Assim deve ser interpretada a reativação da IV Esquadra, com sede na Flórida, subordinada ao Comando Sul dos Estados Unidos. E quais seriam dos fatores motivadores que levaram a essa reativação?

É possível identificar um conjunto de fatos na dinâmica das relações internacionais, no hemisfério, compatíveis àquela decisão.

Por exemplo, uma alteração na condução da política externa no que concerne aos crimes transnacionais, particularmente ao tráfico de entorpecentes e de armas.

Especialistas indicam uma nova concepção de arranjo de forças para enfrentar esse tipo de ameaça, não mais no combate seletivo direto, mas sim na garantia da segurança nas linhas marítimas no Caribe por onde passam as rotas de tráfico.

O mesmo se dá na costa latino-americana no Pacífico. Em ambos os casos complementariam as ações em desenvolvimento contidas no “Plano Colômbia”.

Outro fator significativo é a aplicação do conceito de “Guerra baseada em rede” (NCW, na sigla em inglês), concebido pela Universidade de Defesa Nacional (NDU) e estruturado pelo Pentágono dentro dos Comandos Combinados para as quatro Forças Armadas dos Estados Unidos.

Em resumo, é a capacidade estratégica e de logística militar de deslocar os meios necessários, disponíveis de forma global, para atuar em uma determinada região quando necessário.

No caso da IV Esquadra, é a simples alocação permanente de um conjunto de meios para o Comando Sul a fim de aplicá-lo quando, onde e como for necessário, inclusive em apoio direto nas áreas de conflito como, por exemplo, no Golfo Pérsico e no espaço marítimo ocidental do Oceano Índico (Iraque e Afeganistão, respectivamente), junto à V Esquadra.

Respeitáveis analistas políticos brasileiros sinalizam uma outra linha de motivação para o governo norte-americano reativar a IV Frota, decorrente da atual preponderância de líderes e chefes de governo ligados mais a uma ideologia de esquerda ortodoxa, tais como os presidentes da Venezuela, do Equador e da Bolívia, na contramão da história pós-moderna internacional.

O Brasil e o Chile, por meio dos seus atuais presidentes, são vistos no exterior como novos líderes com propósitos elevados de compromisso para com a democracia e o desenvolvimento cooperativo, solidário e socialmente mais eqüitativo.

Independente do real propósito dessa ativação naval, a meu ver o que deve e pode ser mais premente é o Estado brasileiro ter maior atenção à única Instituição permanente que, por meio do Poder Naval, possui como missão “contribuir para a defesa nacional” no ambiente marítimo.

Como expressou o Comandante da Marinha, a Esquadra brasileira não se encontra hoje adequadamente pronta e capaz para cumprir sua missão constitucional, tendo inclusive alertado o Ministro da Defesa e a Opinião Pública sobre tal fragilidade estratégico-militar diante dos debates sobre a reativação da IV Frota dos Estados Unidos.

O principal propósito foi o de novamente provocar o Poder Executivo a transferir os recursos financeiros dos “royalties” do petróleo que faz jus por lei federal, montante retido dentro dos recursos contingenciados para compor o superávit primário das contas públicas nacionais.

Isso é preocupante, pois sem uma Esquadra constituída de meios navais e aeronavais em quantidade e qualidade proporcionais à dimensão geoestratégica do País, pronta e adestrada para fazer frente às ameaças hoje difusas e complexas, o Brasil se torna vulnerável na defesa dos seus interesses no mar por não mais possuir capacidade dissuasória suficiente para evitar “aventuras” por parte de terceiros.

Nossa vasta costa possui regiões onde existe probabilidade de aumento da presença americana nas suas proximidades onde se localizam pontos focais de alto valor estratégico para o Brasil.

Destacam-se a foz do Rio Amazonas, a saliência nordestina, o litoral fluminense, especialmente ao norte, na Bacia de Campos, e ao sul, particularmente a área próxima ao Rio de Janeiro (sede da Esquadra) e à Angra dos Reis (usinas termonucleares), e na Bacia de Santos.

Estados costeiros com grande faixa marítima necessitam, obrigatoriamente, de um Poder Naval capaz de atuar e de se fazer presente em toda dimensão geográfica das suas águas jurisdicionais.

Um País continental como o nosso e também enfrentando seus desafios sociais é a Índia.

Em face das grandes distâncias marítimas envolvidas, recentemente o Poder Político da Índia decidiu criar duas esquadras distintas para que a Marinha indiana adquirisse capacidade de atuar nas duas costas no Oceano Índico, simultaneamente.

No Brasil ocorre o mesmo desafio do extenso espaço marítimo a percorrer, contudo o País de comporta de forma inversa.

O Alto Comando da Marinha, denominado de Almirantado, decidiu pela desativação gradual de navios da Esquadra que se encontram próximos do limite aceitável de operação, devido à baixa confiabilidade de seus sistemas e equipamentos causados pela obsolescência já alcançada há anos.

São unidades empregadas como escolta a outros meios de alto valor estratégico como o porta-aviões, navios-tanque, navios anfíbios, etc., e excelentes meios de apoio às ações de fiscalização realizadas por navios-patrulha de menor porte nesses mesmos pontos focais.

A redução de navios e aeronaves só compromete mais a fragilidade da nossa Esquadra.

Mesmo que houvesse uma decisão política para a construção de novas unidades para a Marinha, a partir do momento da disponibilidade financeira até a entrega do navio, o período de tempo é extenso, de dois a oito anos, dependendo do tipo, dimensão e configuração interna do navio.

A “janela de tempo” de vulnerabilidade é longa demais para permanecer com uma Esquadra composta por essa moldura reduzida de navios.

Para superar tal lacuna, existe a opção de buscar a aquisição de “meios de oportunidade” no exterior.

São navios usados de marinhas de primeira grandeza naval, em bom estado de uso, mas não mais compatíveis com as necessidades daquele Poder Naval estrangeiro.

Vale registrar que esta opção nem sempre está disponível no momento em que comprador decide por implementá-la!

Por fim resta a seguinte reflexão: vale a pena o Brasil se preocupar prioritariamente com a reativação da IV Esquadra norte-americana ao invés de deixar de lado os graves e crescentes problemas operacionais e logísticos existentes na única Esquadra que a Marinha do Brasil possui para que o Estado brasileiro seja capaz de se fazer presente no mar de forma convincentemente dissuasória?

Roberto Carvalho de Medeiros, CMG (Ref.), professor universitário

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