Depois do flerte com a Alemanha, Getúlio finalmente decide ir para a batalha ao lado dos Aliados
Edson Luiz
Palácio do Catete, Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942
O presidente Getúlio Vargas reúne seu ministério. Em seguida, a decisão: o Brasil entra na guerra. Pouco antes, navios mercantes brasileiros haviam sido torpedeados por submarinos inimigos, com cerca de 600 mortos. “Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras”, dizia o comunicado oficial.
A decisão dos brasileiros de apoiar os Aliados (liderados pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) havia sido tomada em conjunto com outros países da América do Sul, em 15 de janeiro do mesmo ano. “A notícia de que o Brasil cortou relações com a Alemanha, Japão e Itália comoveu-me profundamente. Ela assegura-me uma vez mais o apoio do vosso grande país nesta hora de amarga luta contra forças cujas ações e políticas têm sido unanimemente condenadas pelas 21 nações americanas”, agradeceu o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt.
Palácio do Catete, Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942
O presidente Getúlio Vargas reúne seu ministério. Em seguida, a decisão: o Brasil entra na guerra. Pouco antes, navios mercantes brasileiros haviam sido torpedeados por submarinos inimigos, com cerca de 600 mortos. “Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras”, dizia o comunicado oficial.
A decisão dos brasileiros de apoiar os Aliados (liderados pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) havia sido tomada em conjunto com outros países da América do Sul, em 15 de janeiro do mesmo ano. “A notícia de que o Brasil cortou relações com a Alemanha, Japão e Itália comoveu-me profundamente. Ela assegura-me uma vez mais o apoio do vosso grande país nesta hora de amarga luta contra forças cujas ações e políticas têm sido unanimemente condenadas pelas 21 nações americanas”, agradeceu o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt.
Seis dias antes, o Itamaraty recebera em Londres um alerta de que os submarinos inimigos estavam a par da movimentação de navios brasileiros, por meio de informantes infiltrados no continente. “Segundo dados fornecidos ao governo britânico, agentes alemães e italianos, por meio de estações emissoras clandestinas, localizadas no Brasil, Argentina, no Chile e no Equador estariam informando submarinos dos movimentos dos navios aliados na América do Sul”, relata o documento confidencial encaminhado ao Estado-Maior do Exército.
A informação era precisa. Nos dias 15, 18 e 25 de fevereiro, os navios Buarque, Olinda e Cabedelo foram torpedeados pelos submarinos alemães e italianos. Morreram 55 pessoas. Mas só depois dos ataques aos navios, uma retaliação alemã, é que o governo decidiu entrar na guerra. Antes, até houve uma pequena aproximação com os alemães, por causa da demora dos Estados Unidos em prestar ajuda econômica ao país, o que acabou acontecendo poucos meses depois. Uma correspondência de 20 de novembro de 1940 entre o ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, e Vargas mostra o flerte.
Negociação
“Cabe-me, em conclusão, declarar a V. Excia que da leitura deste relatório mais revigorada sinto a necessidade de prosseguirmos, com todo o afinco, nas tentativas de receber o material encomendado no Reich e que por este país vem sendo posto à nossa disposição, malgrado as tremendas dificuldades que atravessa, dentro dos prazos e das quantidades estipuladas em contrato”, narra Dutra, referindo-se a um documento sobre a negociação com os alemães.
Feito o acordo com os Estados Unidos, o Brasil começou a preparar seu efetivo, que iria desembarcar na Itália em 1944. Mas o país também atravessava um período político turbulento. Nas ruas, manifestações contra o regime autoritário de Vargas resultavam em mortes e prisões. O Ministério da Guerra temia que os movimentos chegassem aos soldados e prejudicassem a preparação para a ida à Europa. Por isso, criou um novo serviço de contra-informação, cuja finalidade foi definida em um documento secreto de circulação restrita. “Neutralizar e reprimir quaisquer atividades exercidas por indivíduos ou associações, no sentido de perturbar, por atos ou palavras, a disciplina no interior ou exterior dos quartéis”, determinava.
Fora dos quartéis, a guerra aguçava o patriotismo e o imaginário dos brasileiros. Um morador do Rio de Janeiro enviou ao Palácio do Catete um modelo de capacete com as cores da bandeira nacional, sugerindo que ele fosse usado por Vargas e seus auxiliares em solenidades públicas. Da Bahia, um telegrafista identificado apenas como Ezequiel enviou uma carta ao presidente falando sobre as propriedades explosivas da palha de ouricuri, “podendo o caso interessar à indústria de guerra”. Bastava transforma-la em pó, dizia o baiano.
O major americano C. Booth também enviou uma carta a Vargas oferecendo uma invenção para os tempos de guerra. Era, segundo o Militar, uma mistura de quatro ingredientes domésticos com o açúcar, que se transformaria em uma bomba com poder 40% maior que a dinamite. Os outros componentes Booth manteve em segredo, mas revelou “que podem ser procurados em qualquer drogaria ou casa de secos e molhados”. A Diretoria de Material Bélico do Ministério do Exército rejeitou a invenção e vários outros projetos, como os dos aviões lançadores, contra aeronaves inimigas, de óleo quente e de uma rede de aço.
Sem entusiasmo
Dias antes do embarque para a Itália, os soldados brasileiros não mostravam entusiasmo — alguns, inclusive, desertaram para visitar familiares, segundo revelavam relatórios secretos feitos diariamente. Muitos não acreditavam que o Brasil participaria da guerra. “Isto é o efeito da opinião de grande parte da população civil e mesmo de parte dos oficiais do Exército que não estão incluídos na FEB”, diz o documento, observando que o trabalho psicológico feito na tropa estava parcialmente neutralizado pelas opiniões das ruas.
As análises dos Militares se baseavam na chamada participação “platônica” do Brasil na Primeira Guerra, entre 1914 e 1918, que não passou de realizações de passeatas e manifestações públicas, sem sequer ter ido aos campos de batalha. Avaliações de 1943 mostravam uma população alheia à ida do Brasil à Itália. “Isto ainda está se sucedendo e o nosso povo ainda não está compenetrado de que estamos em guerra”, disse Dutra em um relatório secreto enviado a Vargas, em 1944.
Além disso, o povo brasileiro não estava gostando das sanções aplicadas durante o período de guerra. A falta de alimentos em algumas regiões determinou um rigoroso racionamento. “No interior do país, a grita é imensa pela má distribuição de sal e de gasolina”, relata Dutra a Vargas. “De outro lado, a sanha dos aproveitadores que, sem se apiedarem do sofrimento alheio, mercadeiam os mais necessários produtos da alimentação popular, explodindo na imprensa daqui e dos estados, constantemente, noticias escandalosas referentes à carne, ao leite, à manteiga, ao peixe, ao carvão e até mesmo à banana.”
Na avaliação dos Militares, a situação do país afetava o ambiente antes da partida para a Itália. “Tudo isto reflete na ambiência para a guerra, porque uma família não preparada psicologicamente para os sofrimentos decorrentes do estado de guerra, lendo nos periódicos as mais contristadoras notícias tangentes à economia popular, não vê com bons olhos a convocação de um filho para o cumprimento do sagrado dever de defender a pátria”, constata Dutra. Da declaração de guerra até a ida para a Itália, foram pelo menos dois anos de preparativos para oito meses de luta — que resultou em 456 mortos.