Análise: Lições do conflito na Ossétia
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Paul Reynolds
Correspondente para Assuntos Mundiais da BBC
Apesar de o confronto na Ossétia do Sul ainda não ter terminado, e a possibilidade de choques por conta de outro enclave na Geórgia, na região de Abecásia, parecer estar aumentando, talvez não seja muito cedo para tentar tirar lições da crise.
1. Não soque um urso no nariz a não ser que ele esteja firmemente amarrado.
O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili deve ter pensado que a Rússia não iria reagir com força ao enviar suas tropas para retomar o controle de um território que ele insiste deve permanecer parte da Geórgia, apesar de contar com alguma autonomia, na véspera dos Jogos Olímpicos.
Mas as chances de a Rússia reagir sempre foram muito prováveis. A Rússia já mantinha tropas na região, liderando a força de paz estabelecida em 1992 por um acordo entre o então presidente russo Boris Yeltsin e o presidente da Geórgia Edward Shevardnadze, o ex-ministro do Exterior soviético que ajudou a pôr fim à Guerra Fria.
A Rússia vem apoiando os separatistas da Ossétia do Sul e entregou passaportes russos à população, o que dá ao país argumentos para alegar que está defendendo seus cidadãos.
O resultado do que muitos vêem como um erro de cálculo é que o presidente Saakashvili pode perder qualquer esperança de voltar a impor o poder da Geórgia sobre o enclave.
2. A Rússia está determinada, para dizer o mínimo.
A Rússia, como já o fez tantas vezes no passado, se vê cercada.
Em uma reveladora entrevista ao ex-correspondente da BBC em Moscou Tim Whewell no início deste ano, um assessor do então presidente Vladimir Putin, Gleb Pavlosky, disse que, depois da Revolução Laranja na Ucrânia, a liderança russa concluiu que “isto é o que enfrentamos em Moscou, o que estão tentando exportar para nós, que nós devemos nos preparar para esta situação e, muito rapidamente, fortalecer nosso sistema político…”.
O que se aplicou depois que a Ucrânia se moveu em direção ao Ocidente, se aplicou também à Geórgia. Moscou tenta evitar qualquer revolução deste tipo na Rússia e agora vê a Ucrânia e a Geórgia como influências hostis.
Não está claro até onde a Rússia pretende ir, mas levando-se em conta que já disse que quer restabelecer a ordem na Ossétia do Sul, isso provavelmente significa uma presença permanente, sem devolver à Geórgia um papel de governo. Diplomatas, no entanto, acreditam que é difícil que a Rússia invada a Geórgia “propriamente”.
3. Lembre-se de Kosovo.
A Rússia não gostou quando o Ocidente apoiou a separação de Kosovo da Sérvia e advertiu para consequências. Esta pode ser uma delas. Claro, a Rússia não argumenta que, nesta crise, está fazendo o que Ocidente fez em Kosovo – o que iria minar seu próprio argumento de que Estados não devem ser quebrados sem que haja um acordo. Mas todo mundo sabe que Kosovo não está longe de seus pensamentos.
4. A Geórgia não deve ingressar na Otan tão cedo.
A Geórgia e a Ucrânia tiveram seu ingresso na Otan – a aliança militar do Atlântico Norte – negado em Abril, mas foram autorizadas a elaborar um plano de ação que poderia levar à admissão no grupo no futuro.
Os Estados Unidos defenderam a entrada dos dois países, mas a Alemanha e outros se opuseram, alegando que a região era muito instável para que os países ingressassem no grupo naquele momento, e que a Geórgia, em particular, um Estado com disputa de fronteira, não deveria receber o apoio da Otan.
5. Vladimir Putin ainda está no comando.
Foi Vladimir Putin, o primeiro-ministro e não mais presidente, que esteve presente à cerimônia de abertura da Olimpíada em Pequim e que correu para a região da crise para assumir o controle da resposta russa. Sua linguagem não fez concessões – a Rússia está certa em intervir, declarou.
6. Não deixe uma raposa cuidando das galinhas.
A decisão de Shervardnadze, em 1992, de concordar com a entrada da Rússia na Ossétia do Sul como parte de uma força de paz permitiu que um governo russo futuro e muito diferente daquele de Boris Yeltsin estendesse gradativamente sua influência e controle. Não foi difícil para a Rússia justificar sua intervenção. O governo simplesmente declarou que seus cidadãos não apenas sofrem riscos, mas estão sendo atacados.
7. O ocidente ainda não sabe como lidar com a Rússia.
Alguns dos argumentos da época da Guerra Fria estão ressurgindo, sem que haja consenso sobre o que deve ser feito. Há os neo-conservadores, liderados pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, (e apoiados pelo candidato republicano à presidência John McCain), que vêem a Geórgia (e a Ucrânia) como defensores da liberdade que devem ser apoiados. Ao mesmo tempo, eles argumentam, a Rússia será obrigada a mudar, assim como a União Sovicética mudou.
Contra isto há o argumento - expressado neste fim de semana à BBC pelo ex-ministro do Exterior britânico Lord Owen, por exemplo - de que é “absurdo” tratar a Rússia como a União Soviética, e que a Geórgia cometeu um erro de cálculo na Ossétia do Sul, pelo qual está pagando.
8. As fronteiras na Europa devem ser eternamente ‘sagradas’?
Esta tem sido uma das regras da Europa pós-guerra – as fronteiras não podem ser mudadas exceto por acordo, como na antiga Checoslováquia. Talvez esta regra tenha sido seguida de maneira muito inflexível. Mas ainda assim, governos como o da Geórgia relutam em abrir mão de qualquer território, mesmo quando a população local é claramente hostil e pode estar naquela situação simplesmente como resultado de uma decisão arbitrária do passado. Foi a União Soviética que forçou a Ossétia do Sul a fazer parte da Geórgia, em 1921. Nikita Khrushcev deu a Criméia para a Ucrânia. Será que isso algum dia vai causar problemas?
9. Agosto é um bom mês para se refletir sobre alianças.
Em agosto de 1914, o assassinato do arqueduque Franz Ferdinand em Sarajevo levou à Primeira Guerra Mundial. Isso ocorreu porque alianças formadas na Europa entraram em jogo inexoravelmente. A Rússia apoiava a Sérvia, a Alemanha apoiava a Áustria, a França apoiava a Rússia e a Grã-Bretanha entrou no conflito quando a Bélgica foi atacada.
Ninguém deve entrar em uma aliança de maneira leve, ou inadvertidamente. Se a Geórgia estivesse na Otan, o que teria acontecido?
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